Hospedagem em Goa – Meu couch

Eu acho que a galera já se acostumou a perceber isso e eu também adoro enfatizar, mas os couchs onde fico hospedado quando viajo são, sem sombra de dúvidas, uma das partes mais interessantes da viagem.
Goa foi um dos poucos lugares na Índia onde consegui um couch pelo Couchsurfing (os outros foram Mumbai e Deli). O interessante sobre esse couch foi que ele já começou de uma maneira engraçada. Quando estava em Jaipur e decidi, de uma hora pra outra, ir para Goa, resolvi logo começar a procurar um couch pra mim. Como eu faria isso? Ah cara, não seria tão difícil assim, pois, na minha modesta cabecinha, Goa era uma cidade indiana rica e com muitas pessoas, logo seria fácil conseguir um couch.
Quando comecei a procurar um lugar pra ficar por lá, o choque: Goa não era uma cidade, mas sim um estado!!! Valeu, velho, já é difícil alguém saber que uma parte da Índia foi colonizada pelos portugueses! Pô, daí querer que eu saiba que Goa era um estado já um pouco demais, não? Mas enfim, pra mim tudo é festa! Pense bem, se antes, quando eu achava que Goa era uma cidade, eu já achava que seria fácil achar um couch, imagina agora que eu descobrira que Goa era um ESTADO!! Uau! Melhor ainda! Saí no lucro! Pô, cara, mas é sério, eu realmente achava que Goa era uma cidade, sabe por quê? Simples! Pô, o negocinho lá é MUIITOO pequenino (sem trocadilhos, por favor). Parece uma cidadezinha de nada quando você olha no mapa. Por isso nem me preocupei em escolher uma única cidade pra tentar um lugar pra ficar em Goa (no caso, Panaji, a cidade com melhor localização pros prédios de arquitetura portuguesa situados no estado). Saí tentando pra tudo que foi lugar! Parecia tudo tão pertinho…

Acha Goa aí, Tigrão

Eis que de umas poucas dezenas de pessoas, um LOUCO, no MEIO DO NADA, aceitou me hospedar pelo período escolhido por mim. Lembro até hoje o nome da cidade daquele maluco, Patnem, situada na parte sul de Goa (Panaji fica na parte norte). Olhei no mapa e vi que a distância de Patnem pra Panaji parecia irrisória, logo, na minha cabeça, seria fácil ficar hospedado em Patnem, pegar um busão pra Panaji, passar o dia em Panaji e regressar pra Patnem pra poder dormir. Então, quis nem saber. Mochila nas costas e fui direto pra Patnem.

Patnem – Goa

Desci na estação ferroviária de Margao e lá já comecei a me relembrar o que é viajar na Índia. Neste país, cara, viajar 100 km é quase como viajar 500 km aqui no Brasil. Apesar de Patnem ser apenas a 70 km de Margao, havia apenas dois ônibus por dia descendo pra aquela direção e demoravam quase duas horas e meia! Ainda por cima tive que esperar por mais ou menos uma hora na estação antes de, definitivamente, descer pra Patnem.
E lá fui eu. Ônibus como sempre socado de gente dentro e eu lá que nem uma lata de sardinha. Fui indo, indo, indo… Rapaz, mas parecia que quanto mais o ônibus viajava, mais e mais eu ficava longe da civilização. Quanto mais viajávamos, mais as casas rareavam e mais aparecia planta pra tudo que era lado. Com medo de estar indo para o lugar errado, falei mais uma vez com o motorista e ele me confirmou que aquele ônibus iria para Patnem.
Rapaz, qual não foi minha surpresa quando o ônibus para em uma trivela no MEIO DO NADA com mato pra tudo que era lado e manda eu descer. No começo eu achei até que fosse sacanagem do motorista, pois, caramba, cara, não tinha NADA de um lado nem do outro. Parecia até com esse cruzamento que bati foto quando estava em Fiji (claro, sem os carros, sem as pessoas e sem as placas).
Desci do ônibus com minhas mochilas, olhei pra um lado, olhei pro outro e fiquei sem entender nada. Qual o pensamento que vem na cabeça do cidadão uma hora dessas? “F*deu! O que eu faço agora?”.
Fiquei uns dez minutos pensando no que iria fazer naquela situação. Procurava um orelhão ou qualquer coisa que pudesse me ajudar a achar a casa do figura. Eis que do nada, lááá de longe, vem um tiozão numa bicicleta amarela toda enferrujada, pedalando na maior calma do mundo enquanto mastigava um pedaço de graveto. Aquele típico estereótipo de matuto do Brasil. Quando ele me viu, ele franziu a testa e ficou me olhando com uma certa curiosidade enquanto fazia uma cara do tipo “que p*rra é essa? Um forasteiro por essas bandas?”. Quando ele veio chegando perto de mim, tentei falar num inglês no melhor estilo “Mim Claudiomar, you Jane!” perguntando a se ele por um acaso ele saberia aonde morava um francês, chamado Martin, por aquelas bandas.
O tiozão, claro, não entendeu alho nem bugalho. Depois de algum tempo, eu fazendo as mímicas mais malucas possíveis (imagina você tentar explicar através de mímicas algo do tipo “procuro um francês, você sabe onde ele mora?), o cara parece que entendeu algo e me falou pra segui-lo. Comecei a seguir o cidadão e depois de uns dez minutos chegamos em uma pequena vila, algo parecido com aqueles povoados que encontramos em beiras de estrada no Brasil. Aqueles pequeninos mesmo! Vinte casas, uma praça, uma agência do Banco do Brasil e um templo da Igreja Universal que serve, dentre outras funções, pra mover a economia do povoado. Começamos a caminhar no povoado e ele me apontou uma casa e falou que era pra eu bater lá.
Fiquei imaginando que poderia ser um hotelzinho ou até, sei lá, uma local de tortura de mochileiros no melhor estilo “Hostel”, mas não. Bati a porta com um certo receio (pô, cara, imagina, eu tava no MEIO DO NADA, NA ÍNDIA e tava batendo na porta de um completo estranho). Qual não foi minha surpresa quando a porta se abre e de lá de dentro emerge um francês! O tiozão tinha me levado diretamente na casa do Martin! Detalhe, cara! Nós não conseguimos conversar nada entre nós dois, ele não entendeu nada do que eu disse tampouco eu entendi coisa alguma. Engraçado que na cabecinha dele ele pensou assim: “Forasteiros sempre devem procurar forasteiros!”. Depois conversando com o Martin, ele me falou que era sempre assim. Sempre que saía um gringo de dentro de um ônibus e parecia não saber pra onde ir, o povo da vila pegava o cara e jogava lá dentro da casa dele! Blz, dessa vez deu certo, porque eu era do couchsurfing e realmente estava o procurando, mas ele me falou que diversas vezes os caras já pegaram mochileiros, que nada tinham a ver com o couchsurfing, perdidos por lá e levaram lá pra casa do Martin sem o cidadão entender patavinas porque um cidadão daquele tava chegando lá.

Martin, um francês perdido no meio do nada

Assim que o cidadão me acolheu na casa dele começamos a conversar. Cara, o Martin era um cara muito louco. O cara era um francês morando numa vila NO MEIO DO NADA! Fiquei até surpreso com o figura ter eletricidade na casa dele.
A história do cara era muito louca! Ele trabalhou por muito tempo na França como executivo. Não sei se vocês tão ligados, mas na minha opinião se tem algum povo que não gosta de trabalhar são os franceses! Os caras tem uma carga horária de apenas 36 horas por semana, pelo menos cinco semanas de férias e ainda por cima vivem fazendo greve! Então imagina como devia ser feliz um francês que trabalhava como executivo! Pois é, ele não era! Diz ele que depois de uma semana que ele trabalhou próximo de CEM HORAS praticamente ininterruptas, às vezes voltando pra casa só pra dormir, às vezes dormindo no escritório mesmo, ele tacou o botãozinho do “f*da-se” e se mudou de mala e cuia pra Tailândia. Decidiu que iria ficar por lá pelo menos uns três meses até ver o que iria fazer da vida.
Desceu na ilha de Ko Phangan, (ilha que até comentei nesse post aqui) e resolveu ficar por lá. Dizendo o bicho que ele alugou um bangalô lá de frente pro mar (parecido com um que aluguei em Ko Tao), apenas com acesso a internet e ficou loucamente, durante dois meses, procurando algum tipo de trabalho que ele pudesse fazer apenas pela internet.
Diz o bicho que ele fuçou, fuçou, fuçou até que uma hora ele achou uma vaga pra trabalhar como assistente de modelagem do site do PETA!! Pra quem não sabe o que é o PETA, é uma organização de defesa dos animais só que muito, mas MUITO mais extremista do que a WWF ou o Greenpeace. Os bichos chegam até a organizar atentados terroristas pra poder chamar a atenção e os seus protestos sempre são os mais loucos que vocês podem imaginar, como este aqui! Trocando em miúdos, ele me falou que não tinha muita opção e acabou aceitando o emprego já que ele poderia trabalhar dentro do bangalô de frente pro mar e a grana era boa.
Depois de algum tempo ele acabou tendo problemas com o visto e teve que deixar a Tailândia. Dentre as várias possibilidades que analisou, a Índia pareceu ser a mais vantajosa (o visto dele era de seis meses renovável o tanto que quisesse) e por isso ele se mudou pra Goa. Resultado? Hoje o cara mora numa vila de pescadores e trabalha ganhando um salário que mais ou menos 90% dos brasileiros não devem ganhar!

Parte logo atrás da casa dele

 

A vida do cara se resume no seguinte. De manhã ele acorda cedo e vai nadar na praia pra se exercitar. Nada por mais ou menos uma ou duas horas numa praia DESERTA e na volta passa na mercearia pra poder comprar legumes frescos colhidos a alguns metros de onde mora. Faz o almoço dele totalmente vegetariano (pô, cumpade! O cara trabalha PRO PETA! No começo ele falou que nem era vegetariano, mas depois de tanto tempo vendo as propagandas dos bichos, ele acabou virando. Na casa dele hoje não entra nenhum pedaço de carne. Azar meu que fiquei comendo capim o tempo todo!) e começa a trabalhar. Trabalha por umas cinco, seis horas e depois vai nadar mais um pouco porque ninguém é de ferro. Quando anoitece, ele sai de casa e fica conversando horas a fio com os pescadores ou com os couchsurfers que ele sempre tem em sua casa. Isso dia após dia. Um dia atrás do outro todos iguais por toda a eternidade.

Parte da frente da casa dele

 

Conversando com esse cara lembrei dos meus diversos amigos que trabalham em São Paulo. Acordam cedo, pegam um engarrafamento de uma hora pra chegar no trabalho. Chegam no ambiente de trabalho com o chefe já gritando que quer mais rendimento. Todo mundo estressado. O cara se sente um lixo, sai do trabalho e vai direto pro curso. Quando é de noite, acabado, volta pra casa, mas atento durante todo o caminho com medo de ter o carro roubado ou levar um pipoco de graça. E assim são as nossas vidas, dia após dia. Um dia atrás do outro, todos iguais por toda a eternidade.
É sério, cara, quando falo que viajando e conversando com outras pessoas percebemos que a nossa vida é um grande nada, as pessoas não acreditam, mas é verdade! Às vezes ficamos tão fissurados no que fazemos mesmo a contra-gosto que nos esquecemos que às vezes dificultamos as nossas vidas a troco de nada. Martim me ensinou muito, cara! Assim como os neo-hippies que conheci em Deli e que falei nesse post aqui.
Ele até tentou me convencer a virar vegetariano que nem ele, me mostrando aqueles vídeos do PETA de animais sendo torturados para virarem bifes.
Não precisa dizer que ele não me convenceu, né? Tá louco, viver sem um bife não dá, cara!
Sim, ele me colocou pra assistir uma castração de boi também, cara! Só que, ao contrário desta em que o boi claramente está anestesiado, a que ele me mostrou o boi foi castrado SEM ANESTESIA! Mermão, cê tinha que ver como o boi gritava! Uma coisa impressionante!! Aquilo me chocou tanto que eu resolvi até mudar meus atos. A partir de hoje eu só como carne de vaca! Carne de boi nunca mais, hehehe
Louco demais o cara! Grande aprendizado nesse couch…

15 comentários em “Hospedagem em Goa – Meu couch

  1. Olá. sempre que posso dou uma passada por aqui para ler as novidades.Vc com as suas viagens, fez coisas que muitas pessoas tem vontade de fazer mas falta coragem e ânimo rsrs…Rapaz vc teve que tomar vacinas para viajar? Tipo para Febre-amarela e outras…?Queria saber se carregava muito medicamentos com vc? Ou comprava nas farmácias por onde passava?Abraços…

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  2. Olá, eu por aqui de novo. Ótimo post esse,esse francês deve ser uma figura mesmo.Parabéns pelos 100.000 acessos. Isso aqui é um sucesso rsrsBjo

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  3. Uai… vacina de febre amarela brasileiros SEMPRE tem que tomar…Sobre remédios… nunca precisei… 🙂Mas se precisar é de boa… As farmácias são fáceis de achar e comprar medicamentos, pelo menos na Ásia

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  4. Adorei… o post… e sinceramente nao tive coragem de assistir os videos… eu ainda como carne mas na verdade nem gosto muito,ainda mais que aqui a carne e ruim, sem gosto e sem graca…boa semana pra ti … 🙂

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  5. Claudiomar,Sou recém formado em RI e tenho uma oportunidade de fazer intercâmbio profissional na Índia (em Delhi) por 1 ano. Meu salário seria de $350. Você acha que dá para sobreviver legal com essa quantia?Adoro o seu blog e ele será importante na minha decisão!Abraços.

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  6. Oi Claudiomar, sabe que vc. tem toda a razão, sobre os franceses, meu cunhado é francês, é executivo estressado, mas consegue sempre parcelar as férias, então parece que sempre está de férias. E o sonho dele é morar em outro país, quando estiver aposentado. Mas, esse cara que você conheceu foi assim surpreendente, como ele conseguiu mudar a vida completamente, para toda a eternidade, fiquei com inveja.Confesso que adoro comer carne, pode ser frango, porco, boi, vaca, etc…não sei se aguentaria ficar sem. Nunca tentei, mas pelo jeito, vc. também não…rsrsrsrs…então Goa é um Estado? puxa blog é cultura, né.

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  7. Putz claudiomar, você falou exatamente o que eu penso toda vez que uso o couchsurf ou mesmo conheço outros viajantes por aí. A vida “normal” é cheia de metas que te levam a vida toda pra realizar e no fim, você não fez nada. Foi só mais um com uma vida industrializada e pobre.E eu devo confessar que os últimos posts sobre a Índia melhoraram bastante o conceito dela comigo. Deu até vontade de passear pelo estado de Goa :P.

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  8. Legal Claudiomar! Obrigado pelo apoio. Já me candidatei à vaga! Fome não passarei, com o pão por esse preço! hauihaouihaihaiuGrande abraço!

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  9. ótimo Blog Claudiomar, sempre dou uma lida…Não consegui ver os videos até o fim, esse 1º dos caras maltratando os animais me revoltou muito!que fdps..abraço velho

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  10. KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK… sério, mijei de rir com seu relato. Tô indo pra Goa. Pena que não irei usar o couchsurfing. hahahahaha

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