Algo que eu tenho certeza que atiça a curiosidade das pessoas é o de como nos sentíamos viajando pela Coréia. Como já disse, eles fazem o máximo para transparecer a você que há uma normalidade gigantesca na Coréia, o que acaba por infligir como nós mesmo nos sentimos.
Bem, uma das principais coisas que eu sentia falta era a de escolher a minha comida. Pô, dependendo do dia você quer comer uma coisa ou outra. Como pagamos tudo incluso já, café, almoço e janta, a comida que nós vamos comer já é certa. O problema é que, apesar de haver uma certa variedade, não temos muita escolha do que comer naquele momento. No quinto dia que estive por lá, foi a primeira vez que podemos fazer uma escolha, pudemos escolher o sabor da pizza que íamos comer, pode parecer pouca coisa, mas é muito depois de uma semana sem escolha alguma. Outra coisa que eu sentia muita falta era de gelo, que eu adoro! Bebida pra mim, pode tá congelando, mas tem que ter gelo. O problema é que a água de lá, não sendo mineral, era bem pouco confiável, o gelo menos ainda. Uma semana sem gelo foi muito pra mim…
A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA, A GENTE QUER BEBIDA…
Sobre comida, apesar de não podermos escolher, a quantidade era sempre gigantesca. Eles botavam a gente pra comer que nem um bicho para que não pensássemos que o pais inteiro esta morrendo de fome. A Coréia do Norte tem uma história bem peculiar. Durante muitos anos eles foram mantidos artificialmente pela União Soviética, que vendia a eles petróleo bem abaixo do preço de mercado (e em qualquer economia, petróleo é a base da escala de produção). Eles realmente começaram a ter problemas depois que a União Soviética se desfez, pois a gasolina e outros produtos básicos a preços subsidiados simplesmente deixaram de ser fornecidos. Apenas imagine toda uma cadeia produtiva baseada em um tipo de matéria-prima barata tendo que se adaptar aos preços internacionais de petróleo. É lógico que a economia ruiu e milhões de norte-coreanos vieram a morrer de inanição.
O tour era bem legal, com várias atrações, mas só tinha um problema. Cara, ele acaba colocando tanta coisa pra fazermos, que acaba que no final dormirmos bem pouco. Por três dias fomos tendo que ser acordados cada dia mais cedo. O dono da agencia brincava que a meta dele era no ultimo dia acordarmos cinco da manhã. Acabam que os programas ficam bem apertados e durante uma ou outra apresentação, a gente acabando desabando no sono, como ocorreu comigo. Teve uma apresentação de crianças SUPER da hora, mas eu acabei dormindo. Dormi tanto que um amigo me acordou porque disse que eu tava roncando e alto no meio da apresentação. Porra, havia acabado de chegar no Oriente, cara. Meu corpo ainda estava se acostumando com 11 horas de diferença de fuso. Dormindo pouco, ai é que caía no sono mesmo. Todo dia entre as quatro e cinco da tarde, dava um sono gigantesco, pois era o que seria quatro ou cinco horas da manhã no Brasil.
Depois de um tempo você se sentia mais como se estivesse trabalhando do que viajando em si. Isso acabava também por influenciar em nossa própria liberdade. A parte boa de viajar é você sair por aí, sem lenço nem documento, escolhendo o que ver e fazer em determinado momento. Isso na Coréia do Norte é inexistente. Sentimos a falta de liberdade também quando viajamos. Como somos vigiados o tempo inteiro, exploramos o que está a nosso alcance, ainda que vez o outra fosse o hotel, ou até mesmo ficássemos dando voltas dentro do bar ou de um restaurante. É engraçado como as vezes parecemos crianças. Sabe quando você é menino, tá em um restaurante com seus pais e você pede para ele para dar uma volta? Aí eles falam, pode, mas vai só até aquela mesa, não sai daqui de dentro? Pois é, a gente se sentia mais ou menos. Não raro você via gente do nosso grupo andando em círculos…
Vou falar com mais detalhes em um outro post, mas o dono da empresa de turismo que nos trouxe para Coréia do Norte também estava com a gente. O nome dele é David, ele é de Londres e é um cara incrivelmente gente boa. Ele geralmente acompanha os tours que a empresa dele organiza para ver se tá tudo certo e também transmitir um pouco de confiabilidade ao grupo. Apesar de tudo, com o passaporte retido, ele também era prisioneiro como nós.
Sabe aqueles filmes de prisão onde os carcereiros selecionam um dentre os presos para ser o responsável pela intermediação? Pois é, esse era o David! Ele tinha algumas “regalias” que nós não, como poder sair sem o grupo para dar umas bandas por ai, negociar nos restaurantes, jogando os preços para baixo, basicamente tinha uma certa liberdade para trabalhar. Ele é o único estrangeiro que tem, veja você, um celular! Se nos morros o chefe do tráfico se diferencia dos outros soldadinhos por portar um AR-15, o símbolo de status do David era o celular! Ah sim, ele podia sair sem a gente, mas, claro, sempre com um guia a tiracolo. Ele dizia que era engraçado quando ele dava umas voltas e perguntava: – “Qual a especialidade deste restaurante? Massas, saladas, cartas de vinho?” e maioria das respostas era: – “Galinha!” ou “Carne!” ou “Porco!”. E quando a gente chegava no restaurante só tinha um tipo de prato mesmo. Como disse, essas era uma das poucas horas que, com perspicácia, podíamos quebrar a “bolha de normalidade” que eles tentavam nos deixar presos e nos lembrar que estávamos em um país tão pobre quanto o Congo.
Nas refeições não existe muito essa nossa cultura de bebermos sucos. Na verdade, não deve haver é disponibilidade de frutas a preços não exorbitantes! Por isso, no final, não bebemos muito sucos e, essa eu não sei porque, também não bebemos muito refrigerante! O que a gente bebe nas refeições? Cerveja!!! AAAHHHH!! Mermão, é no almoço, é no jantar, e quando voltamos pro hotel a noite para ao menos dar um soninho, né? Deus meu, como bebíamos cerveja lá. Toda refeição eles socavam cerveja na nossa goela. Depois de um tempo eu simplesmente começava a beber água mineral mesmo porque senão passava o dia com sono.
Como ficávamos o dia inteiro presos dentro dos ônibus para cima e para baixo, tentávamos de qualquer forma nos relacionar, ainda que a distância, dos populares que conseguíamos ver nas ruas. E como havia gente nas ruas!
A gente passava o dia inteiro sorrindo e acenando para as pessoas, principalmente crianças, e, como erámos novidade em um país prisão como aquele, todos ficavam felizes em acenar de volta para gente.
Além disso, também batíamos fotos de toda e qualquer coisa. Queria ver a senha para todo mundo sair batendo foto? Era só o David ou um dos guias falar: “Gente, não batam foto neste local!”. Mas era só eles terminarem de falar essa frase para gente ouvir “Plec, plec, plec!”, as máquinas disparando! Me sentia às vezes meio estranho de saber que fazíamos algo como um safári com seres humanos, dentro de um ônibus lacrado por ar-condicionado, batíamos fotos de pessoas fazendo as coisas mais simples do cotidiano. Meio que um prazer sádico de saber como aquelas pessoas eram! Na verdade também me sentia as vezes como um animal dentro de um jaula, tamanha a curiosidade das pessoas em ficar nos observando quando passávamos por eles. Era como se presos dentro daquele ônibus, duas realidades diferentes encontravam-se separadas por um muro gigantesco.
Outra coisa estranha é que, apesar do que imaginávamos, havia turistas por TODOS os lados. Todos monumentos que chegávamos estavam lotados de ocidentais. Alguns bem estranhos. Devia ser por causa das apresentações do Arirang…
Não nos era autorizado ter dinheiro norte-coreano. Até porque não precisávamos tanto, afinal, tudo já estava pago. Dinheiro mesmo só era necessário para comprar lembrancinhas. O que teoricamente não seria tanto dinheiro. Ênfase no “teoricamente”. Sim, cara, quando chegávamos nas lojinhas, parecíamos um bando de loucos querendo comprar tudo. Pombas, quanto vale um cartão postal, um biografia de Kim Jong Il, um cartaz de propaganda? Pior que não era caro! Erámos turistas, mas eles não enfiavam a faca na gente! Um cartaz conclamando as pessoas a guerra? 10 reais? Bicho, como diria aquela propaganda da Mastercard, aquilo “não tem preço”! O problema é que compra cartões postais, chaveiros, cartazes, camisas, uma hora ou outra o “não tem preço” começava a tornar-se bem carinho.Vamos comprar o país inteiro
Bem, mas se eu pudesse resumir em poucas palavras como foi a viagem por lá o que mais me incomodava, com a desculpa da redundância, era realmente o fato de ser um prisioneiro. De não poder ter o meu horário, de não decidir pra onde eu vou ou o que eu quero comer. Por um lado é mais fácil porque você não se preocupa com nada, por outro é MUITO chato porque nem toda hora você esta na vibe de sair, as vezes eu só quero ficar escrevendo no IPAD mas eu não posso. Não sei como as pessoas conseguem viajar de excursão, é muito chato.
Tem fotos em algum lugar? Picassa, flickr…
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http://9gag.com/gag/5906208
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Seu blog é muitoo bom! parabéns!
Meu sonho é ir pra Irlanda. To planejando pra ir quando concluir meu curso. Tem alguma dica?
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