Após Goa ainda viajei por mais lugares na Índia. Fui do extremo Sul para o extremo Norte do país. Parece besteira, né? Imagina uma viagem do Paraná até o Maranhão e você vai ter uma ideia da magnitude que estou falando. Sim, amigo, peguei um trem de Goa até Deli (pela terceira vez fui a Deli) e após Deli peguei um outro trem em direção à Amritsar, capital de Punjab, lar dos Sikhs e cidade onde se encontra o mais do que magnânimo Golden Temple a “Capela Sistina” da religião Sikh.
Golden Temple
Três dias de trem no final… Filé…
De Amritsar ainda segui para a Índia tibetana (local onde se encontra o governo tibetano no exílio e lar de Dalai Lama), depois Agra (Taj Mahal) e depois, pela quarta e última vez, voltei a Deli para poder pegar o meu voo em direção à Suécia, a terra das suecas quentes (Uhhhh).
Como já explicitado em um post passado, vou pular o post acerca dessas interessantíssimas regiões do norte da Índia porque quero fazê-los com calma e também porque não agüento mais escrever sobre a Índia. Só pra vocês terem uma ideia, eu comecei a POSTAR sobre a Índia em Setembro de 2008, quando ainda estava na Turquia. Por que eu digo “postar” com tanta ênfase? Porque, apesar de começar a postar apenas em setembro, lembro de já ter começado a escrever sobre a Índia quando havia chegado à Polônia, portanto em agosto de 2008!! Éguas cumpade, depois de mais de seis meses escrevendo apenas sobre um país, acho melhor dar um break, né? Se não for assim, daqui a pouco o blog vira “A Índia numa mochila”.
Engraçado que ainda tem muita coisa pra escrever 🙂
Mas então, vamos “tele transportar” o blog e ir direto para o aeroporto em Deli.
Pra começar, havia deixado uma PANCADA de coisas na casa de Avinash, aquele indiano que me hospedou quando estive a primeira vez em Deli. Por precisar esperar apenas duas noites em Deli, decidi ficar logo num hotel e nem pedi pra ele me hospedar. Ah rapaz, mas passei um sufoco pra pegar minhas coisas, viu? Cara, eu ligava, ligava, ligava e nada do moleque atender. Já estava cogitando postergar minha passagem mais uma vez quando, enfim, consegui ver o irmão dele e o cara me deu os meus bregueços.
Depois disso foi só voltar para o hotel e me preparar pra poder pegar o voo em direção à Estocolmo.
No aeroporto de Deli, a saga começa
Uma curiosidade que achei interessante na Índia. Devido ao constante estado de ebulição que o país enfrenta com o Paquistão, entrar em um aeroporto na Índia, por medidas de segurança, só é permitido se você possuir um comprovante de passagem. E não tem nem “ai”! Não é que nem aquela história no Brasil em que você vai, entra no aeroporto, vai no balcão do check-in e só apresenta a identidade pra voar. Se não tiver a passagem NÃO ENTRA. O aeroporto, cara, parece até uma zona de guerra! O cara que vai checar o seu comprovante de passagem tem um simpático rifle escorado no ombro dele. INSANO TOTAL!
Fila da galera esperando pra ter os comprovantes de passagens checados no aeroporto
Na primeira vez que precisei ir ao aeroporto, a caminho do Nepal, até tentei conversar com o carinha mostrando meu passaporte brasileiro pra ver se ele deixava eu entrar sem comprovante. Aonde! Não teve nem conversa, tive que ir num guichê de uma agência, fora do aeroporto, pra poder pedir pra eles imprimirem pra mim!
Mas voltando ao assunto “Europa”. Não sei vocês que já foram pra lá, mas pra mim foi um grande trauma a primeira vez que fui entrar na União Européia. Mermão, imagina o meu desespero!?!? Já imaginou se eu fosse barrado e os caras me mandassem de volta pro Brasil? Caraca, velho! Eu ia perder TODA a minha viagem! Além de que, pra melhorar ainda mais a situação, aquela crise em que negaram a entrada de dois pesquisadores brasileiros quando eles estavam na Espanha, estourou MUITO próxima à minha viagem. Você quer motivação melhor pra viajar do que ser bombardeado dia e noite com manchetes do tipo: “Brasileiros são barrados diariamente em postos de imigração na Europa?”?
Pois então, era assim que eu ia viajar.
Ah, meu amigo! Mas eu não deixei barato! Imprimi uma cópia do meu plano de saúde, uma cópia da minha passagem de volta ao mundo, uma cópia de alguns extratos bancários do meu pai, tirei extrato bancário da minha conta nos EUA e no Brasil, imprimi a carta do cara que dizia que ia me hospedar em Estocolmo (portanto, eu teria como provar onde ficar em Estocolmo) e fui levando!!! Separei um calhamaço de documentos pra poder apresentar na imigração assim que chegasse. Eu podia até não conseguir não entrar, mas que eu ia dar um trabalho miserável pra eles antes de eles me mandarem de volta, eu ia! Ah, mas eles iam ler TODOS aqueles meus documentos antes de me mandarem voltar. Ah, mas iam.
Quando já estava na fila de check-in o espanto! Caraca, percebi que na passagem de volta ao mundo que eu havia imprimido constava apenas que eu tinha um voo de Deli para Estocolmo, de Estocolmo para Vasórvia e de Varsóvia para Turquia, mas não havia marcado o voo ainda. Ou seja, eu tinha uma passagem apenas de ida para a Europa!! Mermão, isso poderia me causar um problema grave, afinal, o básico que todo oficial de imigração quer quando você entra no país dele (ou no continente, como é o caso da União Européia) é que você tenha um meio de entrada e um de saída! Mermão, eu não tinha minha passagem marcada, o que fazer?
Cara, corri pra uma lan house que tinha no aeroporto, fiz uma ligação pro BRASIL, pedi pros caras marcarem minha passagem de saída da União Européia pra duas semanas depois e imprimi! Tudo isso em menos de 15 minutos, pois já estava na hora de fazer o check-in. Peguei a passagem velha, joguei no lixo e fui fazer o que tinha de ser feito.
Fiz o check-in de boa.
Mas como tudo sempre tem que dar errado, quando estava me dirigindo para a imigração, a constatação! Caraca, eu havia jogado a impressão certa da passagem fora e continuava com o comprovante errado que mostrava que eu tinha apenas a passagem de ida pra Europa! Não, não basta ser burro, o cara tem que ser MUITO burro! Não pensei duas vezes! Voltei para o banheiro, peguei um saco plástico que tinha na bolsa, coloquei a minha mão no saco fazendo uma luva e enfiei no cesto de lixo. Procurei, procurei, achei e, antes de jogar fora, mais uma vez, chequei a passagem e vi que REALMENTE, DESSA VEZ, havia jogado a passagem errada fora! Chequei, joguei fora e fui pegar meu avião.
Ufa! Parecia que tudo ia dar certo!
Entrando na União Européia
Entrei na União Européia por Viena. De lá iria pegar minha conexão em direção à Estocolmo. Como a viagem Viena – Estocolmo seria algo como uma viagem “doméstica” (eu não cruzaria postos de imigração, já que minha viagem começaria e terminaria dentro da União Européia), o posto de imigração o qual eu passaria seria na Áustria.
Desci do avião com meu camalhaço de folhas embaixo do braço e fui marchando disposto a enfrentar a imigração de frente! Eles não vão me barrar! É preciso bem mais do que um gordo de farda pra me mandar de volta pro Brasil! “NUNCA SERÃO!!” já dizia Capitão Nascimento!
Entrei na fila destinado aos estrangeiros e fiquei esperando a minha vez.
A fila foi andando… Andando… Andando… Até a hora que o cara na minha frente começou a ser entrevistado.
Aeroporto de Madrid nos tempos da crise
Era um daqueles indianos típicos, saca? Ah meu cumpade, mas o oficial da imigração danou-se a fazer pergunta pro cidadão. De onde vinha, pra onde ia, por que iria entrar na União Européia, onde ia ficar e pá pá pá. Cada pergunta a mais que o oficial fazia, mais meu coração palpitava e mais eu via a minha “Suécia Quente” se desfazendo no horizonte! O cabra perguntou, perguntou, perguntou, perguntou… Mermão, depois de uns dez minutos perguntando e o indiano gaguejando mais que uma galinha, mais que a Ruth Lemos, o oficial chamou um pessoal que tava lá e o indiano foi dirigido a uma salinha! Mas que bela motivação a se ter antes de ser entrevistado por um cidadão de origem germânica, que dentre outros estereótipos, a sua mais famosa, é a de não ser o mínimo simpático.
Tentei por alguns segundos ouvir os gritos de terror e socorro do indiano sendo espancado ou o de seus ossos sendo quebrados antes de caminhar aquela distância de menos do que um metro e meio, mas me sentindo em direção a uma jaula cheia de leões. Saca aquela parada que você vê em filmes? Que diz que a vida passa em seus olhos segundos antes de você morrer? Cara, eu achava isso a maior besteira do mundo até ter a vida passando em meus olhos segundos antes de ser entrevistado… E digo isso SÉRIO MESMO! Fiquei lembrando o quanto fiquei feliz quando descobri a passagem de volta ao mundo, da minha felicidade ao meu pai concordar em me ajudar a pagar pela viagem, da primeira sueca quente que vi ao chegar nos EUA, das diversas presepadas pelo caminho, dos indianos me roubando, das suecas quentes de top-less na praia em Bali etc. Caraca, passaria ou não pela imigração?
Parei na linha amarela. O cara pediu o meu passaporte. Entreguei a ele. O mesmo cara que segundos antes havia enviado um indiano para a cadeira elétrica agora detinha o futuro da minha viagem e conseqüentemente do meu blog em suas mãos. O oficial foi lá, olhou pra foto, olhou pra mim, puxou o carimbo e PLAM! Próximo!!
Só isso…
Ãhn? Como assim? Eu estava dentro da Europa? E as pessoas me espancando? E os cientistas brasileiros que não puderam entrar? E todo o trabalho que tive pra poder juntar esse calhamaço, agora inútil, de folhas? Enfiar a mão no lixo? Ah não, brother!! Não dava! Fique uns dez segundos querendo acreditar que eu REALMENTE tinha entrado quando percebi que era verdade, estava definitivamente na Europa.
Feliz? Claro que não, brother!! Depois de toda essa epopéia, depois de ficar horas no avião treinando meu inglês para uma possível entrevista, eu realmente queria ser entrevistado! Pô, é um direito meu! É um direito meu ser constrangido no guichê de imigração!! É um direito meu ser revistado! É um direito meu ser espancado numa salinha obscura de aeroporto! Pô e agora? Eu passei e fiquei sem histórias pra contar! Ah meu, sacanagem! Eu quase que voltei lá e falei: “Ow brother, e aí? Não vai me entrevistar não? Ow, eu sou latino americano! Sou perigoso! Posso ter drogas! Posso assaltar bancos! Você acha que aquele indianozinho de nada poderia lhe dar problemas? Você tá é por fora! Eu sou muito mais hardcore que ele!! Já ouvi falar das Farc?”
Arf… saco isso. Ficar sem história é algo que me deixa transtornado!
Nem o fato de que, quando eu cheguei ao aeroporto da Suécia, uma policial, LINDA por sinal, me abordou no aeroporto e me perguntou de onde era e pra onde eu estava indo. Falei que era brasileiro e estava indo ao banheiro e ela falou: “Tudo bem!”. Estranho! Na hora me deu uma vontade de falar que nem o Bocage quando foi abordado na porta do Café Nicola por um policial perguntando quem ele era, pra onde ia e de onde vinha:
Eu sou o poeta Bocage
E venho do Café Nicola
Vou deste para o outro mundo
Se me disparas a pistola
Estranho esse povo…