Esse foi o relato que eu fiquei mais feliz em ter escrito sobre minha viagem a Noronha. Ele é sobre uma das mais gratas surpresas que pudemos ter por lá: a barraca da Tia Regina na praia do Porto. Todos os dias podíamos não saber como ia ser o mergulho, mas tínhamos certeza que o almoço ia ser a peixada da barraca da Tia Regina.
Tudo começou quando eu e Dudu estávamos voltando de nosso primeiro mergulho e procurávamos um lugar barato para poder almoçar. Perguntamos a uns locais e eles nos indicaram uma tal de uma barraca da Tia Regina, que lá a comida era boa e barata. Porém nos alertaram:
– Rapaz, a comida dela é boa. O problema é que a mulher é grossa que só uma parede de igreja! Ela é o Seu Lunga de saias daqui de Noronha. A gente que já é da ilha, conhece o jeito dela, mas a gente avisa logo os turistas que é para eles não estranharem. Não levem a mal, como disse, é só o jeito dela. Ela já deixa anotado na geladeira os dois peixes que ela serve no dia que é para ninguém perguntar qual o “peixe do dia”. Se chegar e perguntar o “peixe do dia” a mulher já dá uma popa do tamanho do mundo. Se perguntar se esse peixe tem espinha então…
Beleza. Seguimos o conselho e fomos para a barraca da Tia Regina. E, lógico que ocorreu o que você está pensando, aquilo era mais forte do que eu. Em momentos como esse a prudência fala bem baixinho e a zoeira bem mais alto. Chegamos à barraca e lá estava uma senhora, sozinha, preparando um peixe e dando conta de sua barraca. Para fazer amigos, resolvi ser educado e perguntei:
– Ow tia Regina, qual é o peixe de hoje?
Rapaz, se um dia você conseguir imaginar alguém com fogo nas pupilas seria a cena que você veria dessa mulher parando o que tava fazendo e, enchendo o pulmão de ar, virando e gritando a plenos pulmões:
– Vocês por acaso são cegos? Não tão vendo escrito na geladeira?
– Ah bom. Vi agora. E esse peixe tem espinha, Tia?
– NÃO, ELE TEM OSSO! JÁ VIU PEIXE TER ESPINHA?
Rapaz, não era brincadeira não. Ela era mesmo grossa que só cintura de sapo! Porém como o almoço com ela era barato, MUITO BARATO, acabamos ficando por lá! A mulher trazia uma porção de peixe que facilmente daria para quatro pessoas, com salada. Por QUARENTA REAIS!!! Esse preço para uma peixada é ridículo em qualquer praia do Brasil, imagina mais em Noronha! E ainda por cima era gostoso. O negócio era só se acostumar em ser xingado o tempo inteiro por ela quando você pedia algo que tava de boa.
Depois de uns dias fomos criando mais intimidade, conhecendo melhor a Tia Regina e vendo que, conforme o local nos havia falado, era só o jeito dela mesmo. Ela era rabugenta, mas era uma ótima e doce pessoa. Tia Regina, como todo mundo em Noronha, trabalhava de sol a sol. De domingo a domingo. Aquele exemplo de gente batalhadora mesmo.
E o melhor, ela era democrática!
Segundo nos disse depois, não tinha quem chegasse ali na barraca dela que ela não tratasse daquele jeito. “Aregando”, como ela mesma dizia:
– Rapaz, eu arengo com quem tiver aqui. Pode ser quem for, mas aqui na minha barraca trato do jeito que eu quiser! Minha língua é afiada, se não gostar, nem vem! Já arenguei com o Lula, já arenguei com o Datena, aquele gordo! Arengo com quem for!
E pior que isso era verdade, viu?
Teve um dia que eu e Dudu estávamos sentados na areia, próximo à barraca dela e só escutamos alguém falando com a Tia Regina:
– Ow Tia Regina! Fui comer o seu peixe ali na beira da praia e o mar levou seu prato!
– Pois vá já buscar o meu prato, SEU MOLEQUE!
– Mas Tia Regina! Ele se foi!!
– NÃO QUERO SABER! SE VOCÊ NÃO FOR BUSCAR MEU PRATO, VOU CORTAR SUAS BOLAS FORA E DAR AOS TUBARÕES PARA COMER!
– Mas, Tia Regina, tubarão aqui em Noronha é vegetariano! (os guias falam que os tubarões de Noronha são vegetarianos para a galera não ficar com medo quando for nadar, já que lá tem muito tubarão)
– POIS EU PEGO SEUS OVOS, AMASSO, FAÇO UM OMELETE COM ELES E DOU PARA OS TUBARÕES COMEREM DO MESMO JEITO! SEU MOLEQUE! VÁ BUSCAR MEU PRATO AGORA!
E tudo isso aos gritos.
Rapaz, quando a gente achava que ela ia matar o menino, se vira para apartar a briga e vê… Sabe com quem era que ela tava gritando? Bruno Gagliasso, um famoso ator de novelas da Globo! Pensa que ela se dobrava a ele? Que nada! Só se aquietou quando viu que ele estava brincando com ela e tinha escondido o prato. Se ele teria ido buscar no meio do mar se fosse verdade? Rapaz, do jeito que a mulher xingava, eu não sei ele, mas eu iria!
Outro dia a gente tava comendo lá e tava tia Regina vendo aquele programa do Datena. Morte para todo lado, assalto, batida de carro… Aquela coisa agradável. Eis que resolvemos fazer uma sugestão a Tia Regina:
– Tia Regina, esse programa é muito violento! Bote em outro!
– Não tá gostando? POIS TAPE OS OUVIDOS! Vou até botar mais alto que é para expulsar vocês! Vocês já pagaram mesmo! Agora que pagaram eu posso expulsar vocês!
E durante o dia, comendo o almoço da Tia Regina, era engraçado ouvir as cortadas que ela ia dando nos clientes:
– Tia, esse peixe é pescado aqui?
– NÃO, VEM DO SUPERMERCADO!
– Tia, qual o peixe que não tem espinha?
– É O PEIXE “PICANHA NA CHAPA”!
Fora os “qual o peixe de hoje?”, “qual o peixe mais gostoso?” que eram de lei e a mulher respondia com os olhos já em chamas.
A gente não sabia como o dia ia começar, mas sabia que ia terminar comendo um peixe e tomando uma na barraca aos gritos de Tia Regina.
Com ela não tinha mimimi.
Saudades dela.
|
Eu e Dudu tomando uma na Tia Regina |
|
Arraia sendo vista do barco |