Cruzando a fronteira da Turquia com a Síria

No outro dia consegui pegar o meu busão em direção a Damasco na Síria. Ainda estava meio confuso se eu conseguiria ou não o maldito visto pra poder entrar no país. Uns me falavam que era super de boa pra poder tirar, que era só pagar a taxa que você estava dentro enquanto outros me falavam que era maior embaço e complicado. Isso era um tanto quanto preocupante, haja vista que não ter todas as informações necessárias em um ambiente possivelmente hostil como aquele não é o melhor dos cenários. Se os caras da fronteira percebessem isso, eles poderiam tentar me enrolar (fazendo eu pagar mais pela taxa do visto, que eu sequer sabia de quanto era) ou então me pedir suborno, o que eu só faria em último caso.

Abaixo dá para ver o sentimento que eu tava na fronteira:

Pra piorar, todos no busão pareciam ser turcos e ninguém parecia que sabia falar inglês, muito menos o motorista. Enfim, o jeito foi seguir viagem. Quando fui cruzar a fronteira, fiquei impressionado, pela primeira vez desde quando havia começado a viajar, me deparei com guardas de fronteira que não falavam uma palavra em inglês. Os caras não sabiam falar nem hot-dog. Pode parecer besteira, mas lembre-se que eles trabalham com fronteira, cara! Eles são os responsáveis por deixar ou não uma pessoa passar pra dentro de um país ou outro. Eles pareciam falar só turco e árabe. Não parecia que forasteiros de outras nacionalidades eram muito comuns por aquelas bandas. Quando foi pra poder sair do país, havia uma fila para sírios, outra para turcos e outra para “o resto”. Qual não foi a minha surpresa ao ver que um outro cara ia comigo pra fila do “resto”. Opa, um estrangeiro em lugares isolados como esses sempre são bons, duas cabeças pensam melhor que uma e sempre podemos nos ajudar caso algo aconteça.
Fui trocar uma ideia e ele me saiu melhor que o esperado. O cara, apesar de falar pouco inglês, sabia falar turco e árabe! BINGO!! Tudo certo, amigo!! Agora nada pode dar errado!!! O bicho era búlgaro (sim, já pode ir contando línguas faladas: turco, inglês, árabe e búlgaro. Pelo menos), marinheiro e gente boa pacas. Depois que cruzamos a fronteira da Turquia sentei do lado dele e fomos conversando no caminho. Ele me contou que já havia viajado pro Brasil e visitado dois portos: Santos e um tal de Madieiria. Maidieiria?? Que diabo é isso?? Tá certo que eu não sei todos os portos do Brasil, mas com certeza a gente não teria um porto com esse nome. Devia ser um nome parecido. Fiquei pensando, pensando… Rapaz, depois de um tempo eu não fui me tocar do porto que ele tava falando? Era o porto de PONTA DA MADEIRA!! O que é Ponta da Madeira??? É o porto do ITAQUI!! O que é o Itaqui?? É um dos maiores portos do Brasil e fica situado numa cidade patrimônio da humanidade!! SIM, O CARA JÁ HAVIA PASSADO POR SÃO LUÍS!! Rapaz, que felicidade!!
Fiquei todo feliz e fui bombardeando o cara de perguntas: o que ele havia visto, se tinha gostado, se tinha passado muito tempo e talz. Pô, não é todo dia que se conhece alguém que já foi a São Luís NO MEIO DO ORIENTE MÉDIO, né? Enfim, eu vi que ele meio que não entendeu o que eu tava perguntando (ele não falava inglês tão bem, como já falei) e foi me contando como foi essa “excursão” dele por terras ludovicenses.
Diz ele que ficou quase uma semana esperando pra poder descer do navio. Ele me contou que quando eles chegam, eles ficam numa fila de barcos esperando obter autorização pra poder descer em terra firme. Falou que era um saco. Você dorme e acorda todo o dia olhando a terra firme e não pode descer! Isso depois de provavelmente ter cruzado um oceano inteiro! Depois que ele enfim conseguiu descer, tentou ver como faria pra poder dar uma volta na cidade, mas foi informado que o centro histórico era MUITO longe do porto do Itaqui (e bicho, real? É longe MESMO!!). Juntou quatro amigos pra tentar rachar um táxi, mas o taxista que fez mais barato queria 100 reais POR CABEÇA pra levá-los ao centro e trazê-los de volta ao porto do Itaqui, o que fica mais que demonstrado que seja na Índia ou seja no Maranhão não há raça mais FILHA DA PUTA do que taxista pra querer te roubar. Só pra vocês terem uma ideia, eu paguei uma vez uns 250 reais pra viajar de Brasília a São Luís de ônibus. Como eles não estavam lá tão a fim de conhecer a cidade, resolveram buscar um programa um pouco mais educativo e saudável. Compraram uma garrafa de vodca e foram atrás de um puteiro.
Bem gente. Eu vou falar uma coisa pra vocês. São Luís é uma cidade bonita, mas mulher é uma situação complicada. Se tu olha uma mulher gatinha caminhando na rua tu achas logo que é turista. É… a situação aqui é braba mesmo. Agora imagina como deve ser isso em um puteiro?? Imaginou? Agora pensa como deve ser assim em um puteiro baixo, mas BAIXO nível como são os ao redor do porto (dizem que o mais rico dos que lá frequentam chega de bicicleta)? Pensou, pois é!! Foi isso que ele me falou… E o coitado ainda espocou 100 dólares com o pacote completo: Vodca, entrada, mulher e tudo… Gringo só se complica…
Eu percebi que a experiência que ele teve com São Luís não foi das melhores, por isso mudei logo de assunto: – Olha, chegamos no posto de fronteira da Síria!! Vamos descendo??
Descemos e ele foi na frente, pois, como disse, falava árabe. Rapaz, assim que entrei no posto eu só faltei foi rir. Imagina um bando de gordo, de bigodinho e farda por todos os cantos?? Pois era assim o posto de fronteira. Mas parecia um bando de Saddam Hussein por todos os lados. Engraçado DEMAIS!! Perguntei quanto era pra poder pagar pelo visto e o marinheiro me falou que era uns 30 dólares. Tirei 30 dólares e quando ia pagar ele me falou que só podia ser pago em moeda local. Ow beleza, que boa notícia. E onde eu iria trocar? “Seus problemas acabaram”, tinha uma casa de câmbio DENTRO do posto de fronteira só pra isso. Agora pense comigo. Aquela era a casa de câmbio em centenas de quilômetros. Já deduziu? Claro que a conversão foi a PIOR possível e o visto que era pra sair por uns 30 dólares, acabou saindo por 40 só com o tanto que eles me roubaram no câmbio.
No final graças a Deus deu tudo certo e eu conseguia atravessar, são e salvo, a fronteira da Síria…

Problemas com tradução

Saindo de Beirute, resolvi seguir viagem de volta à Turquia, pois já tinha marcado o meu voo em direção à Europa. Tentei de todas as maneiras ver como poderia não sofrer mais o mesmo tanto que sofri no caminho de ida da Turquia para Síria, mas mais tarde pude perceber que a viagem de volta seria bem, mas BEM pior do que a viagem de ida. Por quê? Bem, vamos lá…

Não havia ônibus direto de Beirute para Istambul. Pra falar a verdade, sequer havia ônibus de Beirute para a fronteira da Turquia, ou seja, a sorte estava lançada. Depois de muito lutar, conseguir achar um busão que poderia me levar de Beirute para a segunda maior cidade da Síria, Alepo. Alepo é uma cidade tipicamente síria, no meio do deserto e com muito menos turistas que Damasco. Além disso, a cidade possui uma cidadela construída nos tempos das cruzadas que parecia ser MUITO da hora de visitar. Havia visto algumas fotos dessa cidadela quando conheci um turco, que estava vindo de Allepo, na rodoviária de Antakia e realmente me deixava empolgado a chance de poder visitá-la.

Portão principal da cidadela de Alepo

Beleza, tudo é festa. Peguei o meu busão e segui em direção à Síria mais uma vez. Ao contrário da primeira vez que entrei na Síria, que foi bem tranquila, na segunda foi bem complicado desenrolar com os carinhas no posto de fronteira. Motivo? Bem, logicamente eles não falavam inglês e dessa vez não havia o búlgaro que conheci na fronteira da Síria com a Turquia pra traduzir pra mim. Os guardas da fronteira tentavam de todas as maneiras me fazer perguntas, mas depois de um tempo desistiram de tanto eu falar “Istambul, Istambul”, acho que eles se tocaram que eu estava apenas de passagem pela Síria. Mas eles ainda necessitavam recolher alguns dados meus e com isso ficou um impasse sem eu poder entendê-los e vice-versa. Depois de um tempo, um dos soldados foi até o ônibus e voltou com um molequinho pelo braço me dando a entender que ele falava um pouco de inglês. Fiquei um pouco aliviado, pois achava que aquilo poderia facilitar a minha vida. Ledo engano. O molequinho só sabia falar “I speak english” e “my name is…” e nada mais. Os militares falavam uma parada pra ele, mandavam ele traduzir e o moleque não conseguia falar nada. Depois de um tempo o soldado começou a ficar puto e gritar com o moleque, nitidamente irritado porque ele não falava nada de inglês e aí piorou mais a situação. O molequinho se viu aperriado e, com medo, enrolava ainda mais a língua e mandava um enrolation X rebolation pra cima de mim, achando que tava falando inglês. Eu, logicamente, não entendia nada. E aí ficou nessa situação, o soldado dava uns gritos no moleque, ele tentava do jeito que dava me falar alguma coisa e eu fingia que entendia com medo daquele guri acabar levando uns tapas por causa de mim. Os olhos do moleque chegam tavam mais esbugalhados que um sapo cururu!! Eu fiquei foi com uma pena do bichinho…

Dentro da cidadela

Só sei que o soldadinho no final desistiu, me mandou entrar no busão e nos mandou embora. Pensei que enfim ia ter paz, mas que nada… Quando subi no busão e comecei a fechar o olho pra dormir, esse molequinho veio pra querer conversar comigo. No início eu nem me importei, pois achei que ele nunca havia visto tantos estrangeiros na sua vida e conversar com um devia ser algo que realmente mexia com a curiosidade dele. Mas o problema era que o menino não falava NADA de inglês. Boto fé que os pais deles o matricularam em um curso e com isso ele tentava lembrar das poucas expressões que havia aprendido como “what time is it” ou coisas assim e tentava falar comigo. Ficava aquela situação constragedora, ele do meu lado, me olhando e sem falar nada e nada de eu conseguir dormir. Eu realmente me sentia um animal exótico próximo a ele. Só sei que, graças a Deus, ele desceu TRÊS horas depois e eu pude tentar tirar um cochilo.

Allepo

Desci na cidade de Alepo e logo de começo foi aquele estresse que já estava acostumado. Desce do busão, procura um taxista, o taxista não fala inglês, arruma um lugar pra dormir, o taxista vai querer te roubar e coisas assim… Fiquei procurando no guia que eu tinha um lugar pra dormir e acabei optando por um local que o maior destaque que o livro dava a ele era o fato que as meninas deveriam tomar cuidado ao tomar banho, pois os donos do lugar costumavam fazer buracos na parede para poderem vê-las nuas. É amigão, Oriente Médio é assim mesmo… O esquema é bruto. O taxista dessa vez me deixou bem rápido no lugar e enfim pude largar minhas coisas, tomar um banho (logicamente, sem virar a bunda pra parede, preocupado com o perigo dos bigodudos ficarem me espiando dentro do banheiro) e dormir cedo pra no outro dia acordar e seguir para o forte pela manhã. O busão que seguia para a Turquia saía mais ou menos pela hora do almoço.

Lá no albergue ainda conheci uma galera legal da Polônia, mas como tinha que sair cedo no outro dia, nem fiquei conversando muito com eles não. Acordei e segui para o forte.

Depois que eu comecei a passear pela cidade, comecei a perceber que Alepo não era apenas só “uma cidade com um grande forte pra se bater fotos”. Caminhando por suas ruas e prestando um pouco de atenção na arquitetura da cidade, comecei a desconfiar que aquela cidade era muito mais grandiosa do que eu pensava. Só depois de ler no meu guia e de fazer algumas pesquisas na internet que pude me dar conta da grandiosidade que era aquela cidade. Alepo possui mais de cinco milhões de habitantes e por muito tempo foi a terceira maior cidade de todo mundo islâmico, perdendo apenas para Constantinopla e Cairo. Como todas cidades na Síria e no Líbano, é uma das mais velhas do mundo, com registros históricos de que a cidade é ocupada desde o século XI antes de Cristo.Comparem o tamanho das pessoas em relação ao tamanho da entrada da cidadela. É GINGANTESCA!

Fosso da cidadela. Mais uma vez, comparem o tamanho dos carros com o tamanho do fosso e o imaginem cheio de jacarés 😛

Alepo chegou a ser uma das mais importantes cidades da região, pois ficava em um dos mais movimentados entrepostos da Rota da Seda. Porém, com a construção do Canal de Suez no século XIX a rota foi alterada e a cidade perdeu grande parte de sua importância. Bati algumas fotos do bairro velho de Alepo, com seus milhares de anos de história, e depois segui para a sua mais importante atração, a cidadela de Alepo.

O local onde foi construída a cidadela vem sendo sagrado por milhares de anos para os habitantes do local. No alto da colina onde foi construída, havia um templo que os historiadores acreditam ter sido construído no milênio III a.C. A cidadela tomou a forma que possui hoje, com um fosso gigantesco, muros enormes em volta com sua fortaleza, apenas no século XIII depois de Cristo. Os árabes, preocupados com os constantes assaltos das tropas cruzadas cristãs e temendo perder o controle de uma de suas mais estratégicas cidades, ergueram a fortaleza para poder lutar contra os cruzados. No final acabaram logrando sucesso, pois, apesar de Jerusalém ter mudado de mãos diversas vezes durante a época das cruzadas, Alepo nunca foi conquistada pelos guerreiros do Papa.

A cidadela é bem imponente e é impossível não ficar maravilhado com o seu tamanho, se sentir ainda mais pequeno perto dela e não ficar imaginando as batalhas ocorridas próximas a suas muralhas.

Já dentro da cidadela, é possível ter uma visão panorâmica de toda a cidade de Allepo. Uma curiosidade interessante que acho importante destacar é que a cidade parece ser toda cinza, como vocês podem ver na foto. Alguém sabe me dar uma explicação pra isso? Eu sei que o concreto é cinza e as pedras com que eles fizeram a cidade também, mas, pombas, você pode ver na foto que NENHUMA construção da cidade tem uma cor que destoe do tom “pastel” que Allepo parece ter vista de cima, não? Não há nada azul ou vermelho. Será se é proibido pintar as casas dessa cidade?

Enfim, peguei meu busão e segui em direção a Istambul em um dos mais épicos translados de toda minha viagem…

Brother que acabou me vendendo umas falsificações de perfumes legais antes de eu seguir viagem…

Contos em Damasco – Final

Depois de um tempo conversando com esse sírio que eu gastei dois posts falando sobre, ele saiu e foi conversar com uma galera do lado de fora. Acabaram ficando poucas pessoas no local em que eu estava. Fiquei vendo algumas coisas na internet num laptop que tinha por lá e depois de um tempo percebi que havia outro sírio no nosso café e que parecia ter uns papos bem interessantes com uma galerinha que havia por lá. Ele era meio gordinho, vestido todo de preto e muito branco. Parecia com aquele “Bulk”, o gordinho dos Power Rangers, o da foto abaixo.


Percebi que ele trazia no pescoço um pingente com o símbolo da foice e do martelo amarrado no pescoço e que ele era amigo do jornalista que havia conversado comigo por um tempo. Sim, ele era comunista. Mais um. Como pude falar em uns posts atrás, aquele café parecia ser algo como um point da galera síria dissidente do governo, um local em que eles sabiam que facilmente iriam encontrar estrangeiros e com isso pessoas dispostas a ouvir as suas histórias sobre o governo, a repressão que eles sofriam e, logicamente, sobre Israel.
Como já tinha ouvido bastantes histórias sobre repressão e coisas do tipo, resolvi puxar assunto com ele sobre Israel e ouvir um pouco da visão de um árabe acerca de um conflito que dia após dia vemos no noticiário relacionado a mortes e ataques terroristas. Logicamente, não foi das melhores. Ele realmente tinha argumentos bons e me questionava coisas que me faziam pensar e refletir um pouco sobre o posicionamento favorável que tenho acerca da criação do Estado Judeu. Seguem algumas partes do diálogo que tive com ele:
– Cara, eu realmente concordo que os judeus sofreram bastante durante séculos vivendo na Europa e logicamente nas mãos de Hitler. Concordo que realmente era necessário a criação de um estado Judeu para que em algum lugar os judeus pudessem viver em paz e protegidos contra qualquer genocídio. Mas, meu Deus, porque fizeram isso na Palestina? O que os palestinos tinham a ver com isso? Os árabes tiveram que pagar por um genocídio que eles não cometeram? Logo os árabes que durante séculos toleraram que os judeus vivessem sob seu domínio sem persegui-los ou colocá-los em guetos como os cristãos? Se os judeus sofreram tanto com os nazistas, porque não arrancaram um naco do território da Alemanha e lá fizeram um estado judeu? Porque aqui no meio da gente? A gente se sente numa situação mais ou menos assim. Um dia você sai de sua casa por algumas horas pra poder comprar um pão ou algo assim e quando você volta tem um ladrão dentro da sua casa. Você ordena que ele se retire e ele diz que não vai se retirar, que ele sabe que “era” sua casa, mas a partir de agora é dele e que ele vai ficar lá dentro. Ele não vai sair de lá e se você que quiser que vá procurar outro lugar pra morar. Você vai reclamar na polícia e a polícia dá razão pro ladrão e também manda você ir morar em outro lugar. Como é que você aceita uma situação dessas? Você não vai querer amarrar um cinturão de bombas e sair explodindo geral? É mais ou menos por isso que nunca haverá paz aqui se os palestinos não forem respeitados…
– Outra coisa são as colinas de Golã (território da Síria ocupado por Israel). Porque diabos Israel quer aquela região? Lá não há recursos naturais, não há riquezas, não há ninguém morando, não há nada!! É como essa latinha de refrigerante seca que você tem na frente de você, ela não serve pra nada, mas eu vou roubar de você só porque eu quero te pirraçar. É mais ou menos isso que eu vejo que ocorre com as colinas de Golã.
– Se eu temo que Israel volte a atacar a Síria? Cara, muito pelo contrário, eu torço por isso. Pra mim e pra milhões de sírios, não há nada mais glorioso que morrer num campo de batalha pela Síria. Se um dia eu vou morrer mesmo, porque eu vou escolher morrer velho e sem dente numa cadeira de casa se eu posso morrer batalhando e lutando por meu país? É assim que foi e é assim que sempre será. Nunca haverá paz nessa região enquanto existir o estado de Israel nessa região. Infelizmente essa é a triste verdade…

Contos na cadeia

Depois de um tempo conversando com o gordinho, o jornalista voltou mais uma vez e começou a contar suas histórias novamente. O gordinho foi lá e pediu pra contar a história de uma vez que ele foi preso e apanhou que nem um menino porque teve um ataque de riso e não conseguia parar de rir toda vez que o carcereiro pedia uma coisa pra ele fazer. E ele foi contar pra gente essa história.
Diz ele que foi preso outra vez porque estava filmando em um outro local que não era permitido com mais outros amigos comunistas. Foram todos em cana e jogados numa cela na delegacia. Depois de um tempo, foi constatado que eles eram comunistas e a casa começou a cair pro lado deles. Ser comunista na Síria é algo realmente sério e você é punido exemplarmente, mais ou menos como ocorria nos tempos da ditadura militar aqui no Brasil. Por essas e outras, acharam que seria melhor ficar pianinho lá dentro da cela pra que nada de pior pudesse vir a ocorrer.
Depois de um tempo, o delegado chamou o carcereiro na sala e falou que desconfiava que eles tinham um Marx entre eles e mandou o carcereiro ir buscar (gente, em tempo. O delegado falou que havia um livro do Marx com eles e mandou que o carcereiro fosse buscar o livro). O carcereiro como não devia ser um dos caras mais letrados que eles acharam, já entrou na cela distribuindo borrachada pra todo mundo e gritando que era pra eles dizerem logo quem dentre eles era esse tal desse Marx porque se ele não se entregassem o pau ia comer. Ele disse que ninguém acreditava como alguém podia ser tão burro e com isso caíram na gargalhada. O soldado achando que eles tavam rindo da cara dele, batia mais na galera e ficava cada vez mais nervoso gritando pro Marx se entregar. E quanto mais ele gritava “Marx!!”, mais os caras caíam na risada!! Isso me lembrou uma história que meu professor me contou do tempo da UnB durante a ditadura. Segundo ele, algum tempo após o golpe, alguns soldados foram designados para ir na biblioteca da UnB e recolher todos os livros que pudessem ser subversivos. A ordem era “TODO E QUALQUER Marx, deveria ser retirado das prateleiras”. Até aí tudo bem, o problema é que depois de um tempo era impossível achar qualquer livro de MAX Weber por lá. Os caras iam na biblioteca e procurando Marx, Max, sei lá, por via das dúvidas acabam levando os livros do Max Weber que não tinha nada a ver com a história. Acabou que o carcereiro deu tanto neles, que no final cansou e não conseguiu descobrir que entre eles era o tal do Marx.


Essa noite que eu passei nesse café foi realmente muito interessante e enriquecedora. Gastei três posts só falando dela porque acho que realmente houve uma troca de culturas muito intensa conversando com esses figuras. Gente boa demais os caras! No final o jornalista ainda gravou no meu pendrive alguns dos trabalhos dele que era pra eu levar como recordação pra casa…

Festa árabe


No outro dia o Matt me convidou pra ir numa festa árabe/muçulmana que ocorreria na casa de um dos conhecidos deles lá. A festa não teve nada demais, ela era oferecida por um argentino (!!!!!) gente boa demais e que também era muçulmano. A única parada interessante foi que de uma hora pra outra a festa PAROU e ficou só eu e o Matt conversando. Quando eu vi, todo mundo se alinhou e começou a rezar no meio da festa!! Caraca, massa demais, velho! Os homens fizeram uma filha à frente, as mulheres uma atrás e daí se ajoelharam e começaram a rezar em direção a Meca! Meio complicado transmitir em palavras, mas foi a primeira vez que pude presenciar de uma maneira tão explícita pessoas rezando juntas como foi naquela ocasião, legal demais! Depois de uns dez minutos, eles se levantaram e continuaram conversando como se nada tivesse acontecido…

Contos em Damasco parte 2

E o figura continuou contando as peripécias dele por ambiente nunca dantes navegados (ou documentados, como achares melhor). Uma hora veio um pedido que eu tenho certeza que era o desejo de várias pessoas diferentes naquele recinto. Um dos espectadores que ouvia maravilhado as suas histórias pediu para que ele contasse algumas das suas peripécias quando havia sido enjaulado por perturbar a paciência da censura síria. Pensei que ele ia não gostar muito de ficar falando dessas coisas, afinal, ele poderia ter problemas por causa disso, mas ele estava visivelmente empolgado por possuir uma plateia internacional para suas histórias e parecia não se importar muito.
Ele contou que certa vez trabalhava pelas proximidades da fronteira da Síria com o Iraque quando ele começou a filmar alguns veículos militares sírios patrulhando a área. Se tem uma das coisas que aprendemos cedo quando viajamos por zonas problemáticas, é essa: Nunca, sob motivo algum, filme ou bata foto de militares. Eles realmente não ficarão felizes com isso. Agora imagine como deve ocorrer com militares numa fronteira próxima a um campo de batalha como aquela? Logicamente aquilo não iria acabar bem…


Os militares viram aquele jornalista serelepe e não tiveram dúvida. Correram atrás dele, deram algumas bordoadas e o levaram preso sob a cordialidade do exército sírio. Ele foi jogado numa cela imunda e lá ficou durante alguns dias temendo o que poderia acontecer com ele, já que não era a primeira vez que ele fora preso e, caso os militares descobrissem os seus “antecedentes”, ele poderia estar encrencado, pois eles poderiam achar que ele era um espião a serviço de alguém. Como “direitos e garantias fundamentais do cidadão” não devem ser o forte da Constituição deles, uma suspeita dessas poderia, segundo ele, ser motivo para execução sumária.
Felizmente, ele não foi identificado e ficou apenas por umas semanas naquela prisão até ser enfiado dentro de um camburão e solto em Damasco. Apesar de ter ficado apenas alguns dias, ele disse que foi o suficiente pra poder testemunhar algumas histórias, no mínimo, inusitadas em uma prisão do barulho com uma galerinha agitada aprontando altas confusões.


Dois dias depois que ele havia chegado, apareceu uma daquelas figuras que a gente acha que só existe em um filme americano de baixo orçamento ou nos cartazes de grupos xenófobos. Apareceu na cela dele um saudita com um turbante branco na cabeça, um alcorão gigantesco nas mãos e uma cara de maluco sem igual. Conviveram juntos por um tempo. Esse saudita ficava o dia inteiro sentado no canto da cela lendo o Alcorão e cantando músicas de adoração a Maomé. O cara era o estereótipo de fanático que nos vemos por aí na Tv. Depois de um tempo, ele, como não tinha muito o que fazer, resolveu puxar um papo com o saudita e saber o que diabos um cara daqueles fazia numa prisão síria. Ele explicou que indignado com o que via na TV (sempre ela), com os americanos bombardeando dia após dia árabes em todo o Oriente Médio e devido a cumplicidade de seu país que não fazia nada para mudar esse quadro (gente, só pra lembrar, a Arábia Saudita é uma das mais importantes aliadas dos EUA no Oriente Médio), ele resolveu fazer alguma coisa. Juntou uma boa grana, conversou com alguns caras barra-pesada que manjavam de explosivos e decidiu o que ele queria ser quando crescer: ir pro Iraque porque queria se explodir com um americano. Eu admiro esse tipo de gente, rapaz! Esse tipo de gente que vai lá e tenta mudar a situação ao invés de ficar em casa vendo TV e reclamando que ninguém faz nada. Esse rapaz é um exemplo! Seria bom se tivéssemos um cara desse aqui em Brasília pra ver se ele explodia logo era o Arruda e toda aquela máfia dele…


Chegando na Síria, ele viu que teria dificuldades de conseguir cruzar a fronteira para o Iraque, pois, afinal, nunca é fácil entrar numa zona de conflito. Depois de conversar com algumas pessoas que haviam por lá, ele conheceu um taxista que sabia de uma trilha pra poder atravessar a fronteira do Iraque sem ter problemas com postos de fronteira ou tropas da coalizão, mas que, devido o risco que era gigantesco, ele só aceitaria levá-lo se o saudita pagasse uma boa grana:
– 5000 dólares tá bom? – ofereceu o saudita
– Cara, bom, bom, não é! Mas como você tem uma boa causa (boa causa… Explodir americanos no Iraque sempre deve ser uma boa causa, né?), eu vou fazer isso por você. Entra no carro aí, a gente parte agora…


E logicamente vocês já deduziram o final da história. O taxista embolsou os 5000 dólares do saudita e entregou aquele louco para a polícia de fronteira. Não precisa ser um bacharel em ciências militares pra poder deduzir que pra atravessar fronteiras desapercebido (ainda mais uma das fronteiras MAIS VIGIADAS do planeta), você o faz a pé, de caminhonete 4X4, de barco, sei lá, trilhas alternativas, mas certamente você não consegue fazer isso com um táxi amarelo escrito “Welcome to Syria” com um saudita como uma cara de louco no banco de passageiros. E lá estava o saudita sob a hospitalidade do exército sírio, cada dia mais sonhando com o dia em que iria se explodir em pedaços levando uma americano consigo.
Galinha não!! Galinha não!!



E não é que Alá é um cara irônico? Alguns dias depois do saudita maluco ter chegado na prisão dos caras, apareceu um cara que era totalmente diferente de tudo o que já havia aparecido por aquela prisão. Ele era alto, tinha olhos claros, pele branca… Sim, um soldado americano.
O cara estava patrulhando a fronteira e se perdeu dos seus companheiros. Ficou perdido vagando por uns dois dias à procura da base até que, sem saber, cruzou a fronteira do Iraque, entrou na Síria e foi capturado por tropas sírias. Ele se rendeu e foi levado sob custódia para essa mesma prisão na fronteira que parecia ser bem movimentada. O nosso amigo sírio não chegou a conhecê-lo pessoalmente, mas depois de um tempo foi perguntar a um dos guardas porque eles riam tão alto enquanto interrogavam o americano. Pô, torturar até pode, né, cara? Arrancar uns dentes, quebrar uns ossos, furar um dos olhos, arrancar as unhas, jogar água fervente no cara, botar ele pra assistir Superpop… Tudo tá valendo, mas vê-los rir, assim, sadicamente, enquanto torturam um prisioneiro deveria ser algo para deixar qualquer um com medo. Ainda mais quando você lembra que VOCÊ é um prisioneiro sob suspeita de espionagem e fatalmente, mais cedo ou mais tarde, terá o mesmo destino dele.

O carcereiro foi contou a história desse pobre americano. Assim que ele foi capturado, os soldados sírios o levaram para a “sala do chefe” pra saber o que deveriam fazer com ele. Sentaram-no num sofá e ficaram discutindo o que fazer. Logicamente eles conversavam em árabe. Depois de um tempo o chefão lá achou que seria melhor tratá-lo bem, pois ele poderia mais tarde ser utilizado como moeda de troca por prisioneiros sírios no Iraque e era fundamental que ele estivesse bem alimentado e bem-tratado para facilitar as negociações. Devido a isso, ele comeria não a comida dos prisioneiros comuns (que era um lixo), mas sim a comida dos oficiais. Como o cara havia ficado alguns dias perdido no deserto, ele deveria ter fome e o chefão ordenou que servissem galinha para ele comer.
Rapaz, pra que? Na hora que esse cara ouviu a palavra “galinha” em árabe, ele se desesperou!! Diz que ele começou a gritar que nem louco, no pouco árabe que ele sabia: “galinha não, galinha não!”, desesperado. Dizendo o carcereiro que até se ajoelhar o americano se ajoelhava gritando “galinha não, galinha não!”. Os militares ficaram se olhando com uma cara de “esses ocidentais são realmente bem estranhos” e ficaram querendo entender qual o seria o singelo motivo daquele medo de galinha incontrolável do americano. E ele não parava… Quase chorando, implorando e gritando “galinha não, galinha não” por um bom tempo. E os sírios sem entender porque diabos o cara tinha tanto medo de galinha como ele… Será se ele já havia sido atacado por uma ave antes?
Será se ele já havia sido abusado sexualmente por um galo ensandecido?
Por que galinha despertava aquele medo tão grande no cidadão? Era algo que ninguém conseguia explicar…
Até que um dos soldados percebeu que o cara não estava falando a palavra “galinha” em árabe, mas sim, sei lá, algo como “galin”. Tipo, o soldado não estava implorando pra não lhe servirem galinha, ele estava implorando porque havia entendido o nome de uma cidade do Iraque com o nome MUITO parecido com a palavra “galinha” em árabe, cidade onde, pelo menos durante o tempo que ele estava lá, estavam ocorrendo os combates mais vorazes entre tropas da coalizão e insurgentes e onde soldados americanos morriam a rodo!! O soldado, como não falava árabe, só entendia eles falarem a palavra “galinha” e achava que os militares estavam discutindo como iam fazer para entregá-lo para os insurgentes que lutavam nessa cidade. E, digamos assim, os insurgentes não seriam lá tão amigáveis se o pegassem. Por isso que o cara gritava desesperado que “galinha não! Galinha não!”. Ele na verdade implorava para que não o enviassem para essa cidade. Quando eles entenderam, a gargalhada foi geral e depois de algum tempo conseguiram explicar pra ele a situação. Só assim pro bicho ficar mais calmo.
O que deu desse soldado no final? O sírio disse que não soube, ele foi solto antes do soldado americano e também não chegou a sequer trocar algumas palavras com ele. Por quê? Bem, porque enquanto ele conversava com o carcereiro acerca dessa história, um maluco lá no cantinho da cela, lendo o Alcorão, ouviu parte da conversa e começou a gritar:
– Americano?!?!? Americano?!?!?!? Onde?? Há um americano aqui??? Tragam pra mim!! Tragam-no!!! Tragam-no que eu quero me explodir com ele!! Eu o matarei com as minhas próprias mãos!! Tragam-o aqui…


Acharam melhor não colocar o americano naquela cela com o saudita por motivos óbvios.. O americano não saíria.
O saudita era realmente “gente que faz”…

Contos em Damasco

P.s: Galera, coloquei algumas fotos de Beirute bombardeada pra poder ilustrar a história. LOGICAMENTE as fotos não são minhas e as peguei na internet…


Numa das noites que eu fiquei em Damasco, o Matt me levou pra um lugar super interessante. Era parecido com um café, com almofadas coloridas pelos cantos e algumas pessoas conversando e tomando cerveja. É meio complicado de explicar, mas o ambiente respirava um agradável ar de liberdade devido aos assuntos discutidos por todos que se encontravam por lá. Dentre todas as pessoas que se encontravam, uma se destacava: Era um árabe com uma idade um tanto quanto maior que a maioria das pessoas que lá estavam (ele parecia ter uns 35 anos) e todo mundo parava pra poder ouvir as histórias do cara.


Não lembro o nome dele, mas ele trabalhava com documentários e trabalhos jornalísticos. O cara realmente era bem carismático e era bem interessante ouvir o que ele falava. Ele já havia sido preso algumas vezes pelo governo sírio, porque, cá entre nós, jornalistas sempre se dão mal em regiões como essas, ainda mais um cara como ele que, pra piorar ainda mais a sardinha dele na Síria, era comunista. Comunista e jornalista na Síria deve ser como ser pobre e favelado no Brasil: Alvo preferido da polícia. Uma das grandes atrações foi ele contando das diversas vezes que ele foi preso. Mas isso vou deixar pra falar mais na frente, porque antes de contar sobre isso, boto fé que seria muito interessante contar sobre a experiência do figura na sua cobertura dos conflitos no Oriente Médio.


O figura já era veterano de quebra-pau. Já havia “servido” no Líbano em 2006 durante a invasão israelense e também ficou durante um tempo cobrindo a Guerra do Iraque. Ele tinha várias história e todas tinham um desfecho inesperado.
Ele disse que durante o tempo em que ele estava cobrindo os bombardeios israelenses ao Líbano em 2006, estava viajando pelo país com uma americana que também era jornalista. Eles estavam exatamente na zona de conflito e enquanto ele dirigia, a americana pôde ver que havia fumaça ao longe por detrás de algo que parecia ser uma colina e, como diz o ditado popular, onde há fumaça, há fogo. Os dois resolveram ir lá pra ver o que era e se deparam com uma das cenas mais chocantes que ele já tinha visto na vida dele. E olha gente, pra uma cena chocar um cara desses, um cara que trabalha no Oriente Médio, cobrindo zona de conflito, deve ter sido um petisco do inferno mesmo. Ele falou que assim que eles pararam o carro e ele foi ver, ele viu um ônibus amarelo em chamas e vários corpos dentro completamente carbonizados. Quando ele pôde se aproximar, percebeu que era realmente o que ele temia que tivesse acontecido. Os corpos que estavam lá dentro não eram corpos de adultos, mas sim de… crianças! Um míssil israelense havia atingido um ÔNIBUS ESCOLAR por engano e matado TODOS os ocupantes que estavam lá dentro. Há sim, sempre bom lembrar… Todos morreram carbonizados, queimados, como você acha melhor. Segundo ele, foi possível perceber que um dos braços que estava do lado de fora do que restou da janela do ônibus parecia segurar algo como um lenço branco, o que o levou a deduzir que as crianças ao avistarem que caças israelenses sobrevoavam por cima de suas cabeças, tentaram desesperadamente acenar com bandeiras brancas para demonstrar que eram civis. Logicamente não funcionou, haja vista que é impossível pra um piloto de caça há milhares de metros do chão avistar uma bandeira branca. Acabaram todos tendo uma morte lenta e agonizante.


Com uma cena daquelas na frente dele, ele sacou a sua câmera da mochila e começou a filmar e a fotografar o que havia restado dos pequeninos corpos para posteriormente entregar para as emissoras de TV sírias que, segundo ele, não tinham essas “frescuras” de ficar cortando as cenas mais chocantes. Mostram a verdade nua e crua diretamente na telinha. Depois de algum tempo chocado e filmando tudo o que pôde, ele voltou para o carro e começou a dirigir novamente com a americana. Diz ele que estava tudo de boa quando algo lembrou a ele que por onde passavam. Algo o relembrou que eles estavam atravessando uma zona de conflito. O carro deles começou a ser alvejado por tiros de metralhadoras vindos de todos os lados. Ele como bom cavalheiro e levando em consideração que havia uma mulher ao lado dele, fez o que era certo: Abriu a porta do carro, pulou pra fora, começou a meio que correr e rastejar ao mesmo tempo e deixou a americana lá dentro desesperada gritando por ajuda. É amigo, ali o negócio era de macho mesmo. Ele se escondeu atrás de uma moita e depois de um tempo a mulher parou de gritar. Os gritos cessaram e algumas vozes gritando em árabe puderam ser ouvidas. Elas gritavam para ele se render. Ele começou a gritar que não era israelense, mas sim sírio e os soldados foram lá falar com ele. Quando realmente viram que ele era sírio, pediram desculpa pela forma que o “abordaram” (esses soldados sempre tem maneiras singulares de abordar as pessoas, basta ver como fui abordado nesse tópico aqui. Me lembrou uma abordagem semelhante na Indonésia…) e falaram que eles meteram bala porque acharam que eles fossem de alguma patrulha israelense que estava fazendo reconhecimento de terreno, pois eles haviam acabado de ser bombardeados. No final ele só explicou que era jornalista e a americana que tava lá dentro também. Enfim, ele só achou que a americana não ia aceitar muito as desculpas porque, digamos, o pedido de desculpas ia chegar um pouco tarde, já que como ela tinha parado de berrar desesperadamente dentro do Jipe, eles acharam que ela tinha sido morta, mais furada que uma tábua de pirulito.


Ele foi lá pra checar e, MILAGROSAMENTE, ela não tinha sido sequer atingida. Diz que o susto foi tão grande que no final ela acabou desmaiando e isso salvou sua vida, porque se tivesse ficado sentada, fatalmente teria morrido. Eles deram três tapas na cara dela e ela acordou com a aquela cara de “São Pedro, é você?”. Ela levou um tempo pra se recuperar e pra realmente acreditar que ainda estava viva. No final eles seguiram de volta pra Damasco e ele nunca mais ouviu falar dessa jornalista… Acho que depois desse susto ela nunca mais quis saber de ser jornalista na vida dela… Deve estar trabalhando até hoje de babá em alguma casa de uma madame americana. Hahahahaha…
Ele também contou que por um tempo cobriu a Guerra do Iraque morando em Bagdá e que ficou um tempo por lá. Perguntei pra ele se não era perigoso ele morar por lá e ele falou que era de boa, afinal, ele era árabe, falava árabe e se misturava com os árabes. Depois de um tempo por lá ele resolveu capar o gato (ir embora) quando ouviu que os americanos estavam procurando qualquer sírio ou iraniano que estivesse trabalhando por Bagdá e oferecendo uma recompensa por eles. Os americanos temiam que cidadãos desses dois países pudessem estar trabalhando para a inteligência inimiga e, pra não arriscar, estavam à caça de qualquer forasteiro que tivesse acabado de chegar de um desses dois países pra levar pra um interrogatório ou possivelmente uma temporada de férias em Guantánamo. Depois disso, ele resolveu picar a mula dele e por isso tinha voltado a Damasco para poder trabalhar na Síria mesmo porque era, veja só, mais seguro…


No próximo post conto mais história engraçadas acerca desse figura…

Síria – O pais onde há o maior restaurante do mundo

De noite apenas passamos em casa pra tomar um banho e seguimos direto para o maior restaurante do mundo (Huá Huá Huá). Pra que eu não precise explicar tanto acerca do estabelecimento, colo uma reportagem da Folha de São Paulo que fala sobre ele:
“ Com capacidade para mais de 6.000 pessoas, o restaurante Damascus Gate, na Síria, entrou para o “Guinness”, o livro dos recordes, como o maior restaurante do mundo.
O Damascus Gate conquistou o título que pertencia a um restaurante na Tailândia, com capacidade para 5.000 pessoas. Para confirmar o recorde, representantes do “Guinness” exigem que o restaurante tenha capacidade para servir todas as mesas. Segundo Qusai Halasa, representante do livro de recordes, “a cozinha do restaurante pode ser comparada a uma minifábrica”.
O restaurante, que fica nos subúrbios de Damasco, está aberto desde 2002.Além de fontes e réplicas de ruinas arqueológicas, o Damascus Gate também tem áreas temáticas separadas para a culinária indiana e a chinesa. Durante o verão, a época de mais movimento, até 1.800 empregados trabalham no restaurante.”

O restaurante em si é bem legal, cara. Logo na entrada do restaurante, há uma plaquinha onde é possível observar o certificado que o Guiness entregou comprovando o recorde a que lhe foi atribuído.A comida não era cara e, o melhor, eles serviam muita, mas MUITA carne!! Pode parecer besteira, mas a gente se acostuma tanto em comer carne no Brasil que acha que isso é normal no mundo inteiro.

Tecla Pause

Bem, é bom sempre lembrar que o nosso país é hoje o maior produtor de carne bovina do mundo, por isso que aqui ela é tão barata e por isso que comemos em abundância. Mas depois de um tempo viajando, cara, a carne na comida vai rareando mais e mais até que chega um dia em que você começa a salivar quando olha um gato passeando no meio da rua. Só pra vocês terem uma ideia, eu fui preparar um almoço quando estava em Istambul e fui cair na besteira de comprar carne. Rapaz… o quilo da carne no restaurante tava custando um absurdo: 18 dólares o quilo do bife. Nem era filé-mignon, nem nada. Era aquele bife mesmo que a gente compra no supermercado pra poder fazer um sanduba quando chega em casa.
Venham a mim, fiéis…
Tecla Play
Eu PIREI na Síria quando vi o meu prato LOTADO de carne quando ele chegou. Comida barata, foi uns 15 reais pelo jantar, mais ou menos o que a gente paga em restaurante por quilo aqui no Brasil. A diferença é que eu estava no MAIOR RESTARAUNTE DO MUNDO!! (Huá Huá Huá, risadas maquiavélicas).
Além da experiência de estar no MAIOR RESTAU… bem, você já sabem, também foi interessante porque o Matt chamou um amigo dele egípcio pra ir com a gente e o cara era gente boa DEMAIS!! Infelizmente o nome dele eu não lembro mais, mas ele é esse cara aí com a língua de fora ao lado do Matt:
Ele me explicou várias curiosidades sobre o Egito e o Islã que eu não sabia. Primeiro, o Egito possui a inacreditável população de 66 milhões de pessoas!! “Ah, mas peraí, o Brasil inteiro tem 190 milhões de pessoas”. Sim, amigo, mas só a título de comparação, o estado do Mato Grosso que é um pouco menor que o Egito, tem uma população de 2,5 milhões de pessoas. “Tá, mas o Mato Grosso é despovoado”. Ok e que tal o Estado de Minas Gerais? Tem a metade do território do Egito, é o segundo estado mais populoso do Brasil e possui 20 milhões de habitantes!! Menos de um terço da população do Egito! E, ah sim, o Estado de Minas Gerais tem vários rios cortando o território, São Francisco o mais notável, e além disso possui grandes extensões de terras férteis e agricultáveis!! Depois ele pediu pra eu checar em um mapa e quando eu me dei ao trabalho de fazer isso e vi que, assim como ele me falou, o Egito é praticamente uma faixa! Mais de 90% da população egípcia vive às margens do Rio Nilo!! O resto do país é extremamente desértico! Vejam que as principais cidades do Egito praticamente “seguem” o Rio Nilo e apenas algumas grandes cidades situam-se no deserto e fora da região costeira.

Eu achei isso muito impressionante.

Ele também me explicou como é que funcionava a peregrinação anual que os muçulmanos faziam a Meca. Pra quem ainda não está ligado, a religião islâmica se baseia em cinco pilares. A primeira é que você deve acreditar em apenas um Deus. A segunda é que você deve orar cinco vezes ao dia voltado a Meca. Terceira, sempre que possível pagar esmolas para ajudar aos necessitados. Quarta, jejuar durante o Ramadã (quase como os nossos amigos faziam na Turquia). Quinto e último é o de, realizar um ataque suicida contra os Estados Unidos?, não! O quinto pilar é o de que todo muçulmano deve fazer uma peregrinação a Meca pelo menos uma vez durante a vida. Lógico que quem não tiver condições financeiras ou de saúde não será renegado ao inferno, mas todos tentam ao máximo realizar a sua peregrinação para a cidade sagrada. Muitos economizam a vida inteira para poder obter essa graça.

“E como ocorre essa peregrinação a Meca?” A wikipedia sempre explica:
“Ocorre durante o décimo segundo mês do calendário islâmico. Os muçulmanos vestem-se com um traje especial todo branco, antes de chegar a Meca, para que todos estejam igualmente vestidos e não haja distinção de classes. Durante toda a peregrinação não se preocupam com o seu aspecto físico. Depois de praticarem sete voltas em torno da Kaaba, os peregrinos correm entre as duas colinas de Safa e Marwa. Na última parte do Hajj os muçulmanos devem passar uma tarde na planície de Arafat, onde Maomé disse o seu “Último Sermão”. Os rituais chegam ao fim com o sacrifício de carneiros e bodes.”
Durante este período, se, LOGICAMENTE, você for muçulmano, a Arábia Saudita concede vistos de graças para todos os interessados em visitar as duas cidades, para facilitar que os peregrinos possam ter a graça de visitar a cidade mais importante para eles. Lendo a descrição acima parece fácil, né? Mas imagina como é para organizar milhões de pessoas para que elas possam dar as voltas em torno da Kaaba, correr entre as duas colinas … Segundo ele, a logística de um evento dessa magnitude é uma das maiores obras da humanidade. Uma grande demonstração de fé que infelizmente só é possível presenciar para os muçulmanos.

Depois da peregrinação a Meca, quando você volta pra casa, há uma grande festa em que todos comemoram a sua façanha e você segue feliz a sua vida sabendo que cumpriu mais uma etapa tão importante da sua vida. Ele depois ficou falando que hoje, devido ao grande número de pessoas que peregrinam a Meca todos os anos, os sauditas tiveram que deslocar montanhas pra poder ter mais espaço na cidade. E ele ficava gritando o tempo todo: MONTANHAS!! VOCÊ SABE O QUE É ISSO? MONTANHAS… Hahahaha. Acabou que depois disso quando todo mundo ficava calado a gente ficava gritando “MONTANHAS!! MONTANHAS!!!”. Gente boa demais o figura… No final pegamos um táxi pra poder voltar pra casa. Não sei se eu já falei isso pra vocês, mas taxista é a raça mais FILHA DA PUTA que eu pude conhecer enquanto viajava. Como dessa vez não tinha soldado pra colocar o bicho no motorista, ele tentou, logicamente, nos roubar quando chegamos. O Matt e um outro suíço que estava com a gente simplesmente falaram pra gente descer do carro e ir andando. O taxista desceu do carro e foi gritando com a gente quase uns cem metros, mas no final percebeu que a gente não ia dar nada, também que ele não ia conseguir botar medo em uns quatro machos e resolveu seguir o rumo dele. Eita racinha ruela essa…

Matt e o suíço negociando com o taxista. Reparem a mina rindo com uma cara de “esse taxista só pode ser lunático…”

Gostou do post? Então curta nossa página no www.facebook.com/omundonumamochila para sempre receber atualizações.
Quer entrar em contato direto com o autor ou comprar um livro? Clique aqui e tenha acesso ao nosso formulário de contato!
Quer receber as atualizações direto no seu e-mail? Cadastre-se na nossa mala direta clicando na caixa “Quero Receber” na direita do blog
Se gostou das fotos, visite e siga nosso Instagram para sempre receber fotos e causos de viagens: www.instagram.com/omundonumamochila

Perambulando por Damasco – O maior restaurante do mundo

Depois da aula de capoeira, só demos uma volta por Damasco e fomos dormir. No outro dia de manhã, Matt foi me apresentar a cidade. Saímos andando pela belíssima Damasco que, sempre bom reiterar, é ocupada há mais de cinco mil anos.

Arco romano em Damasco

O primeiro lugar que fomos não podia deixar de ser a Grande Mesquita de Damasco, a Mesquita Umayyada . Diz a lenda que o califa al-Walid mandou erguer a mesquita para que os muçulmanos não se deixassem vislumbrar pelas diversas igrejas erguidas e existentes ao redor de Damasco. A mesquita é realmente GIGANTESCA e muito bem elaborada, uma construção extremamente imponente.


Mesquitas não são apenas para se rezar, como demonstra nosso amigo nessa foto…

Tirei foto de uma das minaretes porque achei interessantíssimo o nome que deram a ela. A minarete se chama “Jesus”.

Sim, o mesmo Jesus Cristo tão importante para os católicos. Caso eu ainda não tenha explicado, assim como os cristãos acreditam que vários profetas vieram antes de Cristo (como Abraão e Moisés), os muçulmanos também acreditam e respeitam Cristo como um dos grandes profetas que trouxeram a palavra de Deus para a Terra. Para eles Adão, Noé, Moisés, Abraão e Jesus foram grandes profetas, mas, claro, Maomé foi o maior e mais importante. Falo isso pra demonstrar como o islamismo pode ser uma religião mais próxima à nossa do que podemos imaginar.

Dentro da mesquita há um túmulo que eles alegam ser de uma pessoa bem importante pra nós também. Jonh Lennon? Claro que não! João Batista!! O homem que batizou Jesus nas águas do Rio Jordão! Interessante, né?

Do lado de fora também há a alegada tumba de Saladino, um dos maiores heróis para os islâmicos, pois ele conseguiu unir todos os árabes sob o seu comando e lutou contra os cristãos que haviam tomado a Terra Santa, Jerusalém, dos árabes durante as cruzadas. Saladino marchou com os árabes unidos e mandou os europeus de volta à sua casa devolvendo Jerusalém ao domínio islâmico, o que acabou perdurando por centenas de anos. Ah sim, Saladino não era árabe! Saladino era curdo! Mesmo assim hoje ele conhecido como um dos maiores heróis para os árabes hoje! Saddam Hussein evocava o nome de Nabucodonosor e o de Saladino quando convocava os árabes para a batalha contra o “Grande Império Americano”. Acredita-se que Saladino esteja enterrado ali do lado de fora da Mesquita também.

É meio complicado descrever como é caminhar pela cidade. Você se sente meio que caminhando há uns mil anos atrás devido as ruas serem extremamente estreitas e as casas ainda serem construídas de pedras como há milhares de anos atrás. É uma experiência sem igual!

Maior santuário Xiita de Damasco

Depois que andamos bastante, pedimos um lanche e ficamos sentados na calçada conversando. Depois de algum tempo puder percebe que havia DEZENAS de crianças andando pelas ruas extremamente bem arrumadas e com brinquedos novos, se divertindo por todos os lados. Algumas delas pareciam realmente desfilar pelas ruas com as suas roupas que você claramente via que tinham sido recém-compradas.

Desde cedo a meninada já ganha presente de macho!!

Perguntei o que estava acontecendo ao Matt e ele me explicou que o Ramadã estava terminando exatamente no dia em que passeávamos por Damasco. O Ramadã é um mês de muitas privações (cara, não deve ser fácil ficar o dia inteiro sem comer nada e, principalmente, sem beber nem um gole d’água) e quando ele acaba as pessoas que realmente o seguiram a risca ficam extremamente gratificadas de terem feito esse esforço em amor a Deus. Devido a isso, celebram bastante mais um mês de dever cumprindo e com isso trocam presentes e saem às ruas para poder celebrar. Algo como o nosso Natal, com a diferença que ninguém nem lembra mais porque celebramos o Natal e quem foi o “barbudo encrenqueiro”, com algumas palavras cafonas como paz e amor entre os homens, que nasceu nesse dia… As crianças com seus brinquedos novos saem para ficar brincando e os “homenzinhos” saem as ruas com suas roupas novas para “se amostrar” pras meninas. Mais ou menos o que aos doze anos você fazia no sábado quando ia ao shopping com os amigos pra poder falar com as minas (pelo menos no Maranhão, heheh). Isso demonstra que árabe ou católico, a gente “sabe mesmo o que a gente quer”…

Igreja Cristã no meio do centro de Damasco

Mas a hora que eu mais esperava estava pra chegar. Estava pra ficar de noite. De noite? Pegar balada? Não! O Matt havia me prometido que de noite iríamos para o MAIOR RESTAURANTE DO MUNDO!! Huá Huá Huá (risadas maquiavélicas). Ãhn? Como assim? Que pegadinha é essa? Não, sério! Tou falando sério! O maior restaurante do mundo fica na Síria, não sabia não? Pois é, eu havia lido isso na BBC Brasil um ano antes de começar a viajar e fiquei com isso na cabeça durante um bom tempo!! Sim, cara! Na entrada tem um certificado do Guiness Book e tudo!

Falo desse restaurante no próximo post…

Em Damasco, Síria – Servicio del Taxi

Depois de tudo que eu narrei, parecia que tudo ficaria mais fácil depois que eu chegasse em Damasco, certo? Bem, é lógico que não, amigo! Tudo só tinha a piorar. O turco que havia me ajudado a atravessar a fronteira acabou ficando numa cidade antes de Damasco e eu fiquei sozinho. Só eu e Deus (ou só eu e Alá, se preferir) pra poder chegar no couch que eu iria ficar. Logo na hora que eu desci do ônibus, eu comecei a pensar: se numa cidade como Brasília já é difícil achar alguém que fale inglês, como será na capital de um país completamente hostil aos EUA? Pois é, amigo, LOGICAMENTE ninguém falava inglês pelas ruas de Damasco.

Trânsito caótico em Damasco

Desci na estação de ônibus e comecei a matutar como DIABOS eu faria pra poder chegar no bairro que o cara havia me falado que era pra eu ir. Eu tinha o nome do bairro anotado em um pedaço de papel, mas já no primeiro taxista eu vi que até isso seria um problema. Ele não conseguia ler o que havia escrito, afinal, é sempre bom lembrar que o alfabeto árabe é diferente do nosso. Só depois de muito tempo e de várias vezes eu ler em voz alta pra ele, ele conseguiu entender pra onde eu queria ir. Pedi pra ele me levar pra um albergue, mas mais uma vez ele não entendeu e eu acabei desistindo de falar com ele.

Depois de alguns minutos em que eu tentava desesperadamente alguém que pudesse me levar ao menos para um albergue qualquer na cidade (em albergues as pessoas SEMPRE falam inglês), tive contato pela primeira vez com um dos meus mais sérios problemas que eu pude enfrentar por TODOS os países árabes que pude visitar. Na Síria então… Imagina… O país faz parte do eixo do mal e, dia após dia, recebemos notícias da Síria relacionados a terrorismo. Tudo só podia piorar. Enquanto estava tentando falar com os taxistas um soldado (sim um SOLDADO, com roupa camuflada e tudo, não um policial) fortemente armado e com um fuzil começou a vir na minha direção e começou a gritar e chamar a minha atenção. Pronto, era só o que me faltava! Além de NINGUÉM conseguir falar comigo, eu não ter a mínima ideia de como chegaria na casa onde eu devia ir, só faltava essa. Só faltava eu ser preso apenas pelo fato de estar andando pela rua sem fazer nada. Essas coisas só acontecem em países assim mesmo.

E QUANDO VOCÊ ACHA QUE NADA PODE PIORAR…

Se bem que, se eu fosse preso, até resolvia meu problema. Preso eu não teria que me preocupar com casa e comida. A Síria gentilmente me hospedaria.

Como estava sem escolha e, como já havia dito em um post passado, o homem com o maior rifle sempre tem a razão, fui à sua direção pra ver de qual era. Quando cheguei pra falar com ele, logicamente, ele não falava inglês. Depois de algumas mímicas minhas e dele e de eu apontar para o papel que havia escrito o nome, ele percebeu que eu precisava de ajuda. Pediu que eu o acompanhasse e me levou pra algo parecido com um posto policial (mas com soldados dentro dele) onde vários outros estavam dentro. Depois de algum tempo falando em árabe com a soldadesca um dos soldados meio que falou pra ele que sabia falar um pouco de inglês e começou a falar comigo. Bem, “falar” é uma maneira boa de dizer, o soldado que veio falar comigo sabia falar “my name is… I’m from Syria… hot dog… Michael Jackson” e coisas assim. Ainda assim era melhor que um outro lá que, quando eu falei que era do Brasil, ele tentou falar em espanhol comigo. Mas o mais engraçado é que o cara só sabia falar “servicio del taxi” e ficava repetindo isso toda hora. Cara, tava engraçado a parada lá. Um virava pra mim e fica falando: “Hot Dog, Manchester United, George Bush, I’m from Syria…” enquanto eu virava para o outro e ele ficava repetindo: “Servicio del Taxi”… “Servicio del Taxi” sem parar. Pensei: “Pô pelo menos o sistema educacional aqui ensina melhor inglês do que espanhol, pelo menos o que sabe falar alguma coisa em inglês sabe falar algo mais do que “Taxi Service”. Isso me lembrou um post dos EUA…

E eu fiquei naquela situação que se eu pudesse filmar, renderia MUITAS risadas no Youtube. Sério, até hoje quando eu lembro do cara repetindo “Servicio del Taxi” que nem uma vitrola quebrada, eu fico rindo sozinho.

Enfim, depois de um tempo um dos caras do posto do Exército teve uma ideia que salvou o dia. Ele perguntou se eu tinha o telefone do meu amigo. Eu falei que tinha em algum lugar na bolsa e fui lá e achei. O senhor “Hot Dog” me levou a uma lojinha onde um cara alugava o celular dele para chamadas. Ele meio que desenhou no papel e eu pude compreender que um minuto custava algo como um dólar. Do jeito que eu tava desesperado eu pagava era DEZ! Ele ligou pro cara que ia me oferecer o couch e enfim pude ouvir a voz do Matt. Salvou minha vida. Expliquei pra ele a dificuldade que estava tendo e ele me pediu que eu passasse o telefone ao soldado que ele iria explicar o que eu estava precisando. Eles conversaram em árabe por um instante e depois de um tempo o árabe passou o telefone pra mim. O Matt falou que o soldado havia pedido para que o Math pedisse desculpa a mim por ele, pois parecia que eu havia ficado assustado quando fui abordado pelo primeiro soldado (ah, sim, claro, até porque no Brasil a coisa mais comum de acontecer é você estar andando na rua e, de repente, aparece um cara com roupa camuflada e começa a gritar em sua direção. Eu sou muito idiota de me assustar mesmo…). Ele explicou que o soldado tinha me chamado apenas porque queria me ajudar, pois é o que eles sempre fazem quando aparece um gringo perdido na rodoviária. O Matt me explicou também que o soldado ia me colocar em um táxi, ia explicar pro taxista onde eu estava indo, que eu deveria pagar tanto (eu realmente não lembro quanto paguei) e caso o taxista tentasse me cobrar o dobro do preço pela corrida (gente, eu falei, taxista é filha da puta em qualquer país) era só eu voltar lá no posto policial que a casa ia cair pro lado do taxista. E real? Eu tenho tanta raiva de taxista que eu seria capaz de pagar um outro táxi, ida e volta da casa do Matt, só pra ver o soldado dando uma bolachas na cara do taxista se ele me roubasse. Nossa, acho que não tem nada mais relaxante do que ver uma cena dessa. Se ele me deixasse dar umas no taxista então…

Tecla PAUSE

E sim, esse foi um dos principais “problemas” que eu pude ter em todas as minhas viagens pelos países árabes. Como os caras são solidários com as pessoas que estão no meio da rua sob dificuldade. Esse foi só o primeiro exemplo e muitos outros virão como vocês poderão ver. Acho que os caras são tão esculachados na mídia internacional que eles se esforçam ao máximo pra que tenhamos uma boa impressão deles quando formos embora.

Tudo isso que eu tou falando, claro, não estão inclusos os taxistas pois, como falei várias vezes, não há raça mais FILHA DA PUTA que taxistas. Isso em QUALQUER lugar do mundo. E olha que eu tenho moral pra falar disso…

Tecla PLAY

DISCUSSÃO DO SOLDADO COM O TAXISTA. SIM, ERA O BEM CONTRA O MAL!

Eu e o soldado fomos na direção de um taxista e o soldado começou a explicar pra onde eu tava indo. Depois de um tempo pude perceber que o soldado começou a falar de uma maneira mais ríspida com ele e que ele tava botando o bicho pra cima do cara. Deu pra perceber que ele falava algo do tipo: “Se tu tentar tapear esse aí, a casa vai cair…”

Foto das ruas de Damasco. Repare na foto do galazão no alto do edifício

O taxista se viu meio aperriado e eu vi que ficou meio preocupado com com o soldado falando com ele, mas resolveu me levar, afinal, o homem do rifle sempre tem razão. No caminho me deixou em casa de boa e eu, meio que com pena dele, ainda dei uma gorjeta por ele não ter me roubado. Tá, eu sei que ele não me roubou por causa do soldado, mas enfim, eu prefiro acreditar que ele era honesto.

COUCH (HOSPEDAGEM) EM DAMASCO

Quem me hospedou em Damasco foi o Matt, um cara muito gente boa. Ele é inglês e estava vivendo na cidade para poder aprender árabe, idioma que falava muito bem. Eu, claro, cheguei acabado na casa dele. Pô, não havia dormido em Antália (saí direto da balada pra rodoviária), não consegui dormir no ônibus apesar do trajeto de 15 horas, dormi por algumas poucas horas num banco de metal na rodoviária e depois peguei mais 10 horas de viagem até Damasco. Ele, claro, foi bem compreensivo quando falei isso:

– Pô, cara, foi uma batalha pra chegar aqui, né? – Matt me perguntou.
– Rapaz, foi…
– Ah, mas tá de boa, eu tenho algo que você vai gostar…
– Uma cama bem confortável?
– Não, claro que não, descansar você descansa quando chegar no Brasil. Vamos, eu tou indo pra uma aula de capoeira agora e você VAI comigo.

Matt com algumas crianças no centro de Damasco

CAPOEIRA EM DAMASCO – TREINANDO NO RAMADÃ

Bem, ele não estava perguntando se eu queria ir com ele não. Ele estava AFIRMANDO que eu iria com ele. Depois de toda essa epopéia tudo o que eu mais queria era ter que ficar pulando de um lado pro outro e levando umas bolachas numa aula de capoeira.

Mas não teve negociação. O cara REALMENTE me pegou e me fez ir com ele pra essa aula de capoeira.

No final até que foi interessante. Pô, cara, imagina a experiência de jogar capoeira num país como a Síria? Muito da hora!!!

Cara, foi muito louco!! Pra começar havia uma bandeirona imensa do Brasil na porta da academia. Lá dentro mais uma bandeira brasileira com uma da Síria do lado. O professor e vários dos alunos deles falavam português fluentemente. O professor me contou que havia morado na Bahia e que lá havia se graduado. Apesar de estarmos em um país completamente distante do Brasil, as cantigas que todo mundo cantava eram todas em português e o nome dos golpes também. Era engraçado ver os árabes tentando cantar em português.

Quando eu cheguei e eles souberam que eu era brasileiro… Ixi, mas foi aquela festa. Pediram pra eu traduzir algumas das cantigas, ensiná-los a cantar e coisas assim. CLARO que depois de algumas conversas eles quiseram que eu jogasse capoeira e alguns até me desafiaram. Cara, só uma observação aqui. Viajar no exterior sendo brasileiro é legal, mas também tem seus ônus. Pombas, cara! Às vezes tem gente que acha que por sermos brasileiros, viemos com o pacote completo. Não raro o cara fala: “Ah é brasileiro? Sabe dançar samba então? E capoeira? E futebol? E Percussão? E salsa…” e por aí vai. Eu infelizmente só tenho programado a função “samba”, “futebol” e “salsa” (isso pq eu aprendi salsa enquanto viajava)… Pois é, ainda me meti a besta e aceitei um desafio. Depois de levar duas rasteiras, as pessoas constataram o óbvio: Eu realmente não manjava NADA de capoeira. Não me restou outro opção a não ser ir pra ala dos iniciantes e passar vergonha durante o resto do treino.

No meio do treino eu ainda saí pra tomar um gole d’água, mas fui recriminado por todos que estavam no salão. Depois o professor foi me explicar, em português, que eles estavam no Ramadã e nenhuma daquelas pessoas ali dentro podia colocar qualquer coisa dentro do corpo entre o nascer e o pôr-do-sol. Água inclusive. Na hora lembrei da Turquia e como as coisas lá são um pouquinho diferentes…

Gostou do post? Então curta nossa página no www.facebook.com/omundonumamochila para sempre receber atualizações.

Quer entrar em contato direto com o autor ou comprar um livro? Clique aqui e tenha acesso ao nosso formulário de contato!

Quer receber as atualizações direto no seu e-mail? Cadastre-se na nossa mala direta clicando na caixa “Quero Receber” na direita do blog

Se gostou das fotos, visite e siga nosso Instagram para sempre receber fotos e causos de viagens: www.instagram.com/omundonumamochila

Síria

A Síria é um país árabe incrustado no meio do Oriente Médio e que faz fronteira com o Líbano, Israel, Turquia, Jordânia e Iraque. Possui uma população de aproximadamente 20 milhões de habitantes (só a título de comparação, a região metropolitana de São Paulo possui quase isso). Foi colônia da França após o esfacelamento do Império Otomano e obteve a sua independência no ano de 1946.

Desde a sua independência, a Síria vem enfrentando vários períodos de instabilidade. Sucessivos golpes militares e guerras com Israel trouxeram o caos para o país que só pode desfrutar de alguma estabilidade sob o domínio de um regime forte e sanguinário. Não por coincidência o partido que detém o poder na Síria desde 1963 chama-se Baath, o mesmo partido da era de Saddam Hussein. Sim, isso mesmo que você leu. Assim como existem vários partidos sociais-democratas no mundo, há vários países do Oriente Médio que são ou já foram governados pelo partido Baath, que dentre outras esculhambações era o partido do grande estadista Saddam Hussein (sim, estou sendo irônico). E não fica só na semelhança do nome não, cara! Bicho, é impressionante a semelhança entre o Iraque que a gente estava acostumado a ver na TV e a Síria que eu pude ver quando cheguei por lá. É impossível andar pelas ruas de Damasco sem se deparar com a foto de Bashar al-Assad, “presidente” da Síria desde a morte do seu pai em 2000. O culto à personalidade é um aspecto marcante do seu regime e cada esquina que você vira, pode se deparar com a foto do galã, com cara de Jaiminho do Chaves, sorrindo pra você e te olhando como quem diz: Eu sei de todos os seus passos, portanto mantenha-se na linha! Falar mal desse “presidente” pode custar a sua vida e portanto ninguém se atreve a isso.

A Síria, juntamente com o Irã, é hoje uma das maiores dores-de-cabeça pra Israel. Todos os levantes palestinos que ocorreram contaram com o apoio da Síria que da maneira que dava fornecia armas para os palestinos da Cisjordânia. Durante muitos anos também ocupou o norte do Líbano a pretexto de “prover segurança” aos libaneses que sempre se encontravam em um quebra-pau diferente (se não era com Israel, era entre eles mesmos).
Ninguém é bobo de acreditar nessa “boa vontade” dos sírios. Ficou claro que tudo o que os sírios queriam era uma plataforma para lançar ataques ao território de Israel, já que Israel, pra se proteger, anexou as Colinas de Golã (uma cadeia de montanhas intransponíveis e que oficialmente é fronteira natural entre Síria e Israel), praticamente impossibilitando os sírios de efetuar ataques do seu território. Bombardear Israel deve ser legal, agora imagina se você pode fazer isso da casa dos outros? Pois então foi isso que a Síria durante um bom tempo, sob apoio do Irã, fez, através do lançamento de foguetes Katyusha. Até que o pau comeu de vez e Israel mais uma vez invadiu o pobre do Líbano em 2006, mas isso eu vou deixar pra falar mais quando escrever sobre o Líbano.

Cara, a Síria é um país que desde a entrada você começa a sentir o choque de realidade que é estar neste país. Pra começar, as estradas se resumem a areia pra todo lado!! Você olha pra um lado é deserto, olha pro outro é deserto também! Impressionante! Eu ficava pensando que deve ser muito fácil construir estradas por lá, afinal, o país inteiro é todo plano! Outra coisa interessante é que todas as construções parecem possuir a mesma cor. Se liga nessa foto que eu vou mandando pra vocês!

Vista de Allepo, segunda maior cidade da Síria
A sua capital, Damasco, é belíssima e reclama para si o posto de cidade mais antiga ocupada continuamente. O que isso quer dizer? Bem, com certeza existiram cidades mais velhas que Damasco, mas nenhuma existe até hoje. As outras duas cidades que clamam por esse título são Jericó (que fica na Palestina) e Biblos (fica no Líbano e também tive a oportunidade de visitar). Bem, se não é a mais antiga, há pelo menos a certeza que Damasco é a capital mais antiga do mundo, com uma vida estimada de quase 5000 anos. Basta apenas lembrar que a Mesopotâmia, berço da civilização moderna era no Iraque há apenas algumas centenas de quilômetros de Damasco.

A cidade é fascinante e andar pelas suas ruas, seus mercados, seus bazares faz você se sentir como se estivesse há mais de 2000 anos atrás. As ruas são estreitas e sinuosas, as pessoas gritam nas ruas tentando vender os seus produtos.
A Síria, além da sua exuberante capital, também possui GIGANTESCAS fortalezas da Idade Média. Elas são dos tempos da reconquistas da Terra Santa pelos cruzados da Europa. Devido a seu posicionamento estratégico, diversas cidades da Síria foram tomados pelos cavaleiros medievais e eles, devido a grande distância entre a Síria e a Europa, não viam outra opção a não ser construir grandes fortalezas para se proteger dos árabes que estavam doidos pra passar na faca os cristãos. Eu tive a oportunidade de visitar uma dessas fortalezas quando fui à cidade de Aleppo, mas isso também é motivo pra outro post.

Fortaleza de Aleppo

Post que vem falo sobre as perambuladas por Damasco e também como foi o meu couch.