Como é viajar por El Salvador: história, segurança e turismo

Me faltavam quatro países para eu finalizar todos os países continentais da América Central: El Salvador, Nicarágua, Honduras e Belize. Na verdade, me faltavam apenas esses países para finalizar todos os países continentais das Américas à exceção do Canadá. Comecei a fazer planos e acabou que eu consegui achar um cruzeiro que passava por Belize e Honduras. Separei esse cruzeiro para viajar eu e Bruna e antes de encontra-la em Miami para isso, viajei sozinho para El Salvador e depois Nicarágua, por voo mesmo. Minha primeira parada foi San Salvador, pois consegui um voo barato de Brasília para El Salvador com apenas uma escala em Bogotá na Colômbia. 

Assim que desci em San Salvador a primeira coisa que me impressionou é o quanto que o país é quente. Rapaz, parece São Luís. No aeroporto ia chamar um Uber, mas depois pesquisei pelo Chatgpt e vi que o InDriver em El Salvador funciona melhor que o Uber. Por conta disso acabei pagando metade do preço, já que o Uber é bem caro em El Salvador. Dentro do Indrive que eu fui descobrir que a moeda de El Salvador é o dólar, eles não têm moeda própria. Devia ter pesquisado isso antes no Brasil, porque acabei chegando em El Salvador com poucos dólares no bolso e tive que pagar uma nota para sacar no caixa eletrônico da minha conta da Wise.

HISTORIA DE EL SALVADOR

El Salvador é aquele tipo de país que muita gente nem lembrava que existe, e quando lembrava, pensava em gangue, migração ou violência. Mas a verdade é que o menor país da América Central tem em uma história pesada. Um bom exemplo disso é que boa parte da riqueza do país foi construída às custas do café. Sim, o café salvadorenho foi o motor da economia por décadas. Quem dominava o café, dominava o país. A tal “república cafeeira” concentrou a terra e o poder político nas mãos de uma elite, enquanto o povão ralava, muitas vezes em condições quase feudais. Bem, nada muito diferente da história da América Latina inteira, né?

O café não só moldou a economia, como também preparou o palco para tragédia. As desigualdades cresceram, os conflitos de terra explodiram e o clima social foi ficando cada vez mais tenso. Na segunda metade do século XX, a panela de pressão estourou. O país mergulhou numa guerra civil que durou 12 anos, de 1980 a 1992, deixando mais de 75 mil mortos. A título de comparação, o Brasil que é infinitas vezes maior teve pouco mais de 400 vítimas mortas na ditadura militar. A guerra civil salvadorenha foi uma guerra suja, com envolvimento direto dos EUA, que bancavam o governo militar em nome da luta contra o comunismo, e apoio de Cuba e União Soviética à guerrilha. Sim, o conflito foi mais um de diversos conflitos por procuração que ocorreu devido a Guerra Fria, tanto é que finalizou um ano depois da queda da União Soviética. Quem pagou o preço, como sempre, foi a população.

Museu da Guerra Civil de El Salvador

Um filme que ajuda a entender esse período, mesmo sendo meio hollywoodiano, é Salvador, do Oliver Stone. O filme acompanha um jornalista decadente que se mete no olho do furacão, em plena guerra. É um retrato cru — e ainda assim romantizado — da brutalidade do conflito, dos massacres de civis, da manipulação política e do caos generalizado. Ele mostra, por exemplo, o assassinato de uma freira americana e de uma ativista católica, num momento em que até a Igreja virou alvo. Cara, isso foi uma coisa que me impressionou, o tanto de gente da Igreja Católica que a ditadura de El Salvador matou sem preocupação alguma. 

Padres e freiras tiveram papel ativo e denunciaram injustiças, abrigaram perseguidos e acabaram pagando caro por isso. Um dos nomes mais simbólicos desse período é o de Dom Óscar Romero. Arcebispo de San Salvador, ele se tornou a principal voz contra os abusos do governo militar. Criticava abertamente a repressão nas suas homilias, transmitidas no rádio — e isso num país onde qualquer crítica podia te colocar na mira.

Dom Romero foi assassinado em 1980 enquanto celebrava uma missa. Atiraram nele no altar, diante da comunidade. Sim, cara, passaram o arcebispo, ao vivo, no meio de todo mundo. O crime chocou o mundo, mas dentro de El Salvador já não era novidade ver a violência atravessando as igrejas. Poucos meses depois, quatro religiosas norte-americanas — três freiras e uma missionária leiga — foram mortas por militares salvadorenhos. O caso teve repercussão internacional, mas mesmo assim o governo dos EUA seguiu financiando o regime. A morte dessas mulheres, que trabalhavam com comunidades pobres, escancarou o quanto a linha entre o bem e o mal era confusa nos discursos oficiais, mas muito clara na prática.

Religiosos assassinados durante a Guerra Civil de El Salvador

Além de Romero e das freiras, outros religiosos também tombaram. O jesuíta Ignacio Ellacuría, reitor da Universidade Centro-Americana (UCA), foi executado junto com outros cinco padres em 1989, num massacre que ficou conhecido como a matança da UCA. Todos eram religiosos engajados com a Teologia da Libertação, linha que defende o envolvimento da Igreja na luta contra a pobreza e a opressão. Esses episódios ajudaram a transformar Dom Romero em um herói nacional — e, anos depois, em santo canonizado pelo Papa Francisco. 

Para ter ideia, em 1983, em plena tensão da guerra civil, o Papa João Paulo II veio a El Salvador e visitou a tumba de Dom Óscar Romero. A visita foi cercada de pressão política — tanto da Igreja local quanto do governo militar — mas o papa insistiu em rezar no túmulo do arcebispo assassinado. Aquilo foi um recado claro, mesmo sem palavras: a Igreja de Roma reconhecia a importância de Romero e o absurdo do seu assassinato. Anos depois, o papa voltou ao país e novamente fez questão de homenageá-lo. Hoje a cripta onde Dom Romero está enterrado, no subsolo da Catedral Metropolitana, virou local de peregrinação. Não é um lugar pomposo, mas tem uma energia forte. É impossível sair de lá indiferente.

Cripta de Dom Romero

Outro lugar bem bacana é memorial às vítimas da guerra civil, no Parque Cuscatlán. O muro lembra muito os memoriais da Guerra do Vietnã que tem nos Estados Unidos, com milhares de nomes gravados — gente comum, camponeses, crianças, religiosos, estudantes, sindicalistas — mortos ou desaparecidos entre 1980 e 1992. O muro não é turístico, não tem loja de lembrancinha, nem guia fantasiado de história. É só um paredão enorme de dor e silêncio, no meio da cidade, quase escondido, mas poderoso. É bem pesada a visita por lá

Memorial às vítimas da Guerra Civil

Hoje El Salvador tenta vender uma imagem de modernidade e segurança, principalmente com o presidente Nayib Bukele investindo pesado em marketing e controle social. E, sim, Nayib Bukele é o principal responsável por por El Salvador no mapa hoje

BITCOIN E BUKELE, AS DUAS PRINCIPAIS MEMÓRIAS DE SAN SALVADOR

Com seu terno slim, boné virado pra trás e discurso afiado, Nayib Bukele se vende como um outsider, mas governa com mão de ferro. Desde que declarou guerra às gangues, Bukele colocou mais de 2% da população do país atrás das grades. É gente demais presa num país pequeno, e isso só foi possível com um estado de exceção que suspendeu garantias básicas por tempo indeterminado. O resultado? Os homicídios despencaram, os bairros antes controlados por facções viraram zonas livres, e o medo que travava o cotidiano deu lugar a uma sensação de segurança que muitos nunca tinham vivido. A conta em direitos humanos é alta, mas a popularidade dele continua nas alturas — e isso diz muito sobre o que o povo prioriza depois de décadas de terror. Cara, não teve uma pessoa que eu vi falar mal do Bukele, o homem é absurdamente popular em El Salvador. 

Bonecos do presidente Bukele são vendidos como lembracinhas para turistas em San Salvador

Bukele transformou El Salvador, literalmente, no país mais seguro das Américas. E isso porque El Salvador por alguns anos foi o país mais inseguro do planeta. Em bairros antes considerados intransitáveis, hoje se vê criança na rua, comércio funcionando à noite e turistas andando com câmera na mão. Em San Salvador, conversei com gente que nunca gostou de política, mas que agora se diz orgulhosa do país. O novo megacomplexo prisional que ele construiu virou símbolo dessa virada — e também um alerta. A oposição denuncia abusos, prisões arbitrárias e um poder cada vez mais concentrado. Mas, por enquanto, a maioria parece disposta a pagar esse preço em troca de paz. Em resumo: Bukele virou o “CEO” de um país que parecia falido, e agora opera como uma empresa de imagem renovada. É absurda a sensação de tranquilidade que você sente caminhando pelas ruas de San Salvador.

E como se não bastasse isso, ele ainda decidiu tentar colocar El Salvador na vanguarda digital ao adotar o bitcoin como moeda legal. Foi o primeiro país do mundo a fazer isso, e a aposta foi ousada: tentar atrair investidores, descentralizar a economia e romper com a dependência do dólar. Na prática, a coisa dividiu opiniões. Enquanto alguns comerciantes ainda se enrolam com a tecnologia, há regiões turísticas, como El Zonte, que surfaram na onda e viraram até modelo de economia do Bitcoin.

Para o salvadorenho comum, o impacto do bitcoin no bolso ainda é nebuloso — mas o impacto na propaganda política de Bukele foi direto. Ele se vende como futurista, como o cara que está levando o país do trauma para o “primeiro mundo”. Se vai dar certo ou não, ninguém sabe. Mas que ele colocou El Salvador de volta no radar, isso é inegável. O que eu vi de Bitcoin? Nada. Confesso que não vi uma venda, uma loja que usasse bitcoins. Acho que isso foi uma moda que chamou a atenção quando ele lançou, mas que no final ninguém deu muita bola para isso.

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