Viagem a Belize: multiculturalismo, dólar belizense,  desafios locais e os paraísos chamados Caye Caulker e Shark Ray Alley

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Belize sempre foi um país que me fascinou. É uma daquelas regiões que parecem ter se perdido do resto do continente. Enquanto seus vizinhos falam espanhol e carregam a herança das colônias espanholas, Belize segue seu próprio caminho com o inglês como língua oficial, legado da colonização britânica. É o único país da América Central continental com esse perfil, quase como uma Guiana da América Central, sendo deslocado linguisticamente e, de certa forma, culturalmente também. Assim como nas Guianas da América do Sul, percebi que entre os centro-americanos, quase ninguém sabia direito o que tinha por lá. Muita gente com quem eu conversava em El Salvador ou Honduras me olhava com cara de interrogação quando eu dizia que meu próximo destino era Belize. “Mas o que tem lá?”, perguntavam. E, honestamente, era essa mesma pergunta que me atiçava.

Mas havia também um outro motivo bem mais prático: o mar. Eu já tinha visto alguns vídeos de uma galera fazendo snorkel em Belize, nadando no meio de tubarões e arraias, num lugar chamado Shark Ray Alley, e desde então fiquei obcecado com a ideia de viver aquilo. Não era uma aventura estilo Discovery Channel com jaula de ferro nem cilindro de oxigênio — era simplesmente colocar a máscara, cair na água e nadar com os bichos. E, por mais contraditório que pareça, a ideia de nadar cercado por tubarões naquele cenário de águas cristalinas me transmitia mais curiosidade do que medo.

Além disso, Belize me parecia ter um tipo de beleza ainda meio bruta, não domesticada. Eu queria ver isso de perto: esse país que ninguém conhecia direito, que tinha praias caribenhas, floresta tropical, influência maia, rastafári, placas em inglês e até mesmo fronteiras ainda em disputa com a Guatemala. Um país estranho aos vizinhos e ainda mais estranho para quem o visita pela primeira vez — ou seja, exatamente o tipo de lugar que eu gosto de colocar na minha mochila.

Em alguns lugares da América Central quando perguntava se era bom de fazer snorkeling em uma praia específica, as pessoas me diziam “cara, não é como Belize, mas é muito bom”. Então, assim, nadar com peixes em Belize devia ser muito bom mesmo.

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O motivo de haver tantos tubarões por lá, especialmente nas áreas de snorkel como Caye Caulker, a região que eu mais queria conhecer, tem a ver com uma combinação rara de fatores ambientais, culturais e até econômicos. Primeiro, a costa de Belize abriga a segunda maior barreira de corais do mundo, atrás apenas da Austrália, o que cria um ecossistema marinho riquíssimo, com abundância de peixes, crustáceos e outras espécies que fazem parte da cadeia alimentar dos tubarões. Além disso, ao contrário de outros países do Caribe que historicamente incentivaram a pesca predatória de tubarões ou simplesmente nunca regulamentaram o setor, Belize implementou medidas de conservação bem antes dos vizinhos. Em lugares como Caye Caulker, é comum ver guias alimentando os tubarões com pequenos peixes para atrair os bichos e proporcionar aquele visual cinematográfico durante os mergulhos. Os ambientalistas odeiam isso, mas enfim, os tubarões amam. O resultado é esse: um país pequeno, com mar calmo, água cristalina e uma concentração de tubarões costeiros que nenhum outro vizinho consegue igualar.

História de Belize

A história de Belize é marcada por uma trajetória peculiar dentro da América Central. Originalmente habitada por povos maias, a região foi alvo de disputas coloniais entre espanhóis e britânicos a partir do século XVII. Embora a Espanha alegasse soberania sobre o território, foram os britânicos que, pouco a pouco, consolidaram sua presença, inicialmente com assentamentos de madeireiros conhecidos como “Baymen”. Esses colonos extraíam mogno e outros recursos da floresta tropical, estabelecendo um sistema econômico voltado para a exportação à metrópole. Apesar das tentativas espanholas de expulsá-los, os britânicos resistiram, e após diversos tratados e conflitos diplomáticos, a Coroa britânica formalizou o controle da região em 1862, batizando-a oficialmente como Honduras Britânica. Então a Inglaterra tinha a Honduras Britânica na América Central e a “Guiana Britânica” na América do Sul, atual Guiana. Isso mostra como Belize sempre foi visto como uma exceção regional, mais ou menos um Espírito Santo da América Central, mais alinhado com o mundo anglófono do que com seus vizinhos centro-americanos.

E essa origem colonial é a chave para entender por que Belize não virou um país de falantes de espanhol como os demais da América Central. Ao contrário de países como Honduras ou Guatemala, que foram colônias espanholas e herdaram a língua e instituições da Coroa espanhola, Belize manteve-se sob controle britânico por mais de um século, consolidando o inglês como língua oficial, o sistema jurídico de common law e uma estrutura administrativa ao estilo britânico. Até sua independência, conquistada apenas em 1981, Belize permaneceu culturalmente isolado de seus vizinhos hispânicos. Isso não quer dizer que o espanhol não esteja presente — ele é amplamente falado como segunda língua, especialmente nas regiões próximas à fronteira com a Guatemala e o México. Mas o país se estruturou com base no inglês, e essa identidade linguística diferenciada acabou reforçando seu status de “peça solta” no quebra-cabeça centro-americano.

Vida em Belize

Assim como diversos países caribenhos, Belize é um mix de descendentes de africanos que foram trazidos como escravos (que eles se referem como “criolos”), maias, ingleses (hoje bem poucos), árabes, indianos e muitos, mas muitos descendentes de central americanos que fugiram para lá como refugiados das diversas guerras civis que ocorreram pela América Central (notadamente de El Salvadorenhos, Guatemaltecos, Hondurenhos e Nicaraguenses) e mexicanos que basicamente foram procurar um lugar para viver. Então, amigo, o país tem como língua oficial o inglês, mas muita gente por lá fala espanhol, muita mesmo. “Aqui tem muita terra e somos apenas 400.000 habitantes, então tem espaço para todo mundo” – me disse um cara de Belize. Lá, o multiculturalismo não é só marcante, como é celebrado. Para mim foi uma sensação semelhante a que vi no Suriname.

Acaba então que lá a coisa se inverte em relação a San Andrés na Colômbia ou Roatan em Honduras, os descendentes de africanos falam só inglês e saem em desvantagem com os descendentes de latinos que aprendem inglês na escola e espanhol em casa com os pais. Era engraçado, qualquer vendinha que eu e Bruna entrava, apesar da gente falar inglês, os vendedores iam buscar um latino e ele já começava a conversar em espanhol com a gente. Isso quando não era um mini-mercadinho, porque aí parecia que todo mini-mercadinho era de um chinês. 

Outra coisa interessante, eles têm uma moeda própria, o dólar belizense, mas na verdade a economia é dolarizada de fato. Cada dólar americano valia dois dólares belizenses. Então você tem que perguntar em qual dólar tá os preços, porque às vezes você pode se dar mal. Na verdade, por conta disso eu vi porque que as coisas são tão caras para turista no Caribe. Cara, enquanto eu e Bruna estávamos economizando cada centavo de dólar para poder fazer os passeios, um gringo simplesmente tirou um calhamaço de notas de dez dólares do bolso e deu de gorjeta pro pessoal do barco. Juro, pelo que eu tinha conseguido contar, era ao menos 80 dólares de gorjeta. Quase 500 reais. Ali… de “gorjeta”. Aí é mole. Eu nasci no país em que um dólar é seis reais. Ele nasceu no país em que um dólar é um dólar. O problema é que acaba o passeio e todo mundo do barco fica meio que esperando que você deixe um agrado. Se eu deixei? Rapaz, eu dei um abraço nos caras e vida que segue.

Em Cozumel, onde nós fomos antes, chegamos a pegar um passeio de barco onde a tripulação ficou uns 10 minutos explicando o quanto gorjeta era importante pro trabalho deles. E qual foi o problema? Mano, no barco só tinha latinos. Era eles pedindo gorjeta e cada um olhando pros lados fingindo que não era com eles. Eu, obviamente, fiquei olhando para a água procurando peixinho. E nada dos caras ganharem gorjeta.

Cara, só para você ter uma ideia, em uma outra vendinha, teve uma gringa que foi comprar um suco e a moça da vendinha falou que era vinte dólares. Primeiro que, mano, quem paga 120 reais em um suco, pelamordedeus. Ela foi lá e deu 20 dólares americanos. Aí a mina da vendinha falou “não moça, são 20 dólares de Belize, então são 10 dólares dos Estados Unidos”. O suco era “apenas” 60 reais. Rapaz, depois a que moça da vendinha deu o suco para a gringa, ela pegou os 20 dólares de Belize de troco (que dá o total de 10 dólares americanos) e simplesmente pôs na caixinha de gorjeta de papelão que a vendinha tinha bem na frente. Sessenta reais, assim, de graça. De gorjeta. Cara, aí fica fácil entender porque eles devem odiar atender latino como a gente que economiza cada dólar. 

Nadando com os tubarões, a caminho de Caye Caulker

Como eu não queria correr o risco de cair em uma roubada igual foi a natação com os porcos de Bahamas, desde o Brasil eu já fui reservando o barco para a gente ir ver os tubarões  em Belize. Paguei caro, bem caro. Poderia ter pago mais barato se eu descesse em Belize e tentasse negociar direto no porto? Sim. Eu queria arriscar? De forma alguma.

Interessante que ao contrário de todos os outros países que visitei de cruzeiros, Belize foi o único até agora em que o navio não atracou. Cara, o navio ficava no meio do oceano, aí vinha um barquinho pegar a gente e levar para o continente. Mas, assim, ainda foi uns 20 minutos nesse barquinho, era longe mesmo. 

Isso acontece porque o litoral de Belize, especialmente na região da capital, é raso e protegido por uma extensa barreira de corais — a segunda maior do mundo como já falei. Essa formação natural, embora seja ótima para preservar a biodiversidade marinha e proporcionar águas calmas e cristalinas, torna impossível que navios de grande porte se aproximem da costa sem risco de encalhar. Não existe um porto com profundidade suficiente para receber cruzeiros diretamente, então a solução é o chamado “tender service”: os navios de cruzeiro ficam fundeados em alto-mar, e pequenos barcos fazem o translado dos passageiros até a terra firme.

Então descemos no porto e já fomos encontrar a menina da agência que tinha negociado comigo o passeio. Interessante que ela já veio conversando comigo em espanhol. Me explicou que ela era descendente de mexicanos e que a avó dela, mesmo tendo nascido em Belize, não falava inglês até hoje. A guia me falou que só falava inglês porque tinha ido a escola, porque os mais velhos da família dela não falavam inglês até hoje, só os jovens porque aprenderam na escola. 

Pegamos o barco e fomos fazer o nosso passeio. E, cara, chegar a Caye Caulker foi bem demorado. 

Caye Caulker realmente era um paraíso. Cara, não havia nem carros por lá. Travessias mais longas ou eram feitas de carrinho de golfe ou de trator. Assim que chegamos, aportamos em um restaurante com preços abusivos em dólares que estava bem aquém do que poderíamos pagar. Dólares de Belize? Não, dólares americanos mesmo. Coisas absurdas, cara, tipo sessenta dólares americanos para comer qualquer peixinho mequetrefe lá. Os gringos foram pedindo todos os itens do menu e eu e Bruna fomos atrás de uma vendinha na ilha para poder comprar ao menos uma Coca Cola para tomar. Acabamos achando um mini mercadinho de, vejam você, um chinês. Engraçado que o mercadinho chamava “Amigo market”. Então a gente tinha certeza que o dono era latino. Chegando lá era um chinês. Tentei bater um papo com ele para saber como era a vida de um chinês em Belize, mas ele não quis nem papo. Só falou “obrigado” e tacou a gente para fora da vendinha. De “amigo”, o mercado só tinha o nome. 

Dá para ver os tubarões na água, são as manchas

Na volta a gente viu uma garçonete correndo aos gritos mandando um barco voltar. Acredita que um gringo quis dar calote? Eu posso contar cada centavo de dólar que eu gasto, mas calote nunca vão botar na nossa conta. Gringo miserável e caloteiro, rapaz.

Depois voltamos para o barco e de lá fomos fazer o passeio dos tubarões. Chegando lá, foi, impressionante. Cara, eu já tinha visto alguns tubarões nadando em Noronha, mas era sempre um ou outro e lááá longe. Onde a gente parou era quase um cardume. E não só de tubarões, mas tubarões e arraias também. Era tanto tubarão que você quase que se esbarrava neles. Foi fascinante demais.

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Depois ainda fomos nadar com peixes em um local com corais, mas nem de longe foi tão legal quanto ver os tubarões. Um dos caras do barco era engraçado demais. Ele era descendente de latinos, falava espanhol e contou várias curiosidades sobre Belize. Uma delas é que quando ele era jovem, as crianças que não se comportavam eram levadas para cortar cana debaixo do sol escaldante de meio dia. Como ele sabia disso? Segundo ele, ele acabou ficando muito bom em cortar cana por conta disso. 

Perambulando pela capital, a Cidade de Belize

Depois que voltamos do nosso passeio com os tubarões e de eu dar o abraço de gorjeta para a tripulação fomos dar uma volta pela cidade de Belize. Cara, vou te contar, caminhar pela Cidade de Belize foi aqueles momentos em que você dá valor em ter nascido no Brasil. Cara, a cidade era toda zoada, suja, com umas construções caindo aos pedaços. Não vimos um edifício de apartamentos ou coisa do tipo. Sério, era uma desolação parecida com o que eu vi em Georgetown quando viajei à Guiana ou ao Haiti. 

Visitamos a “Biblioteca Nacional” que devia ser menor que a biblioteca que tinha na minha escola no Maranhão e o “Museu Nacional” que devia ser menor do que a casa que muita gente mora no Brasil. O melhor do museu mesmo foi só que lá tinha um ar-condicionado moendo de frio, então valeu os sete dólares americanos que tivemos que pagar por pessoa para poder entrar. O prédio do museu nacional era uma ex-prisão, então até tinha umas coisas legais por lá. Além disso, também tinha uma ala sobre escravidão que eu achei bem interessante.

Biblioteca Nacional

Mas o que mais me chamou a mesmo a atenção foi o fato de que a gente estava caminhando na capital de um país e simplesmente quase não havia ninguém nas ruas. Em plena quarta feira. Cara, aquilo me chamou a atenção demais. Andamos, caminhamos pelas ruas e depois voltamos pro nosso barco que estava lá no meio do mar. Infelizmente no outro dia, ainda tínhamos mais uma parada marcada em outra praia do México. Mas, cara, acredita que o barco não parou? O comandante do navio falou que não conseguiu fazer as manobras porque segundo ele “o vento tava muito forte” e simplesmente cancelaram um dia nosso de passeio. Cara, o barbeiro do italiano não conseguiu fazer a baliza direito e cancelou o nosso passeio. Pelo menos deu para a gente descansar um pouco. E bem, ainda bem que Belize deu certo, porque foi o local mais legal que eu fui em toda essa minha viagem.

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