Entre Montanhas e Realeza Ditatorial: Eswatini e o Encanto do Umhlanga, a Reed Dance

Depois de já ter viajado pela Namíbia, África do Sul e Maurício, o próximo país que eu explorei foi Eswatini. Fiz questão de ir durante um dos eventos mais importantes do país, o Reed Dance, ou Umhlanga, sobre o qual vou falar mais detalhadamente depois. Mas já adianto: foi uma experiência incrível. Para chegar lá, usei uma empresa chamada Transmagnific, que opera umas vanzinhas saindo direto do aeroporto internacional de Joanesburgo com destino a Mbabane, a capital de Eswatini, e outras cidades do país. Viajei com eles tanto na ida quanto na volta, e foi tudo muito tranquilo.

Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção foi o quanto o país era frio. Eu já tinha sentido o frio da África do Sul e da Namíbia, mas nada se comparava ao que enfrentei em Eswatini. Era um frio de rachar, daqueles que te fazem querer se encolher o tempo todo. O país é cercado de montanhas e, como cheguei no auge do inverno, a altitude só fazia a sensação térmica ser ainda mais congelante. Rapa, eu quase congelei! Por outro lado, havia algo muito positivo: o mirtilo era incrivelmente barato. Em Brasília, esse é o tipo de fruta que a gente pensa duas vezes antes de comprar, mas lá eu comia sem parar, sem peso na consciência, já que o preço era super acessível. Outra coisa que me surpreendeu foi o nível de organização. As áreas que visitei eram limpas, bem cuidadas e passavam uma sensação de segurança que eu não esperava encontrar em um país tão pequeno e pouco conhecido.

Mas antes…

O que é o Eswatini

Eswatini, país que até 2018 era conhecido como Suazilândia, é um pequeno e montanhoso país no sudeste da África, sem saída para o mar e que faz fronteira com Moçambique a leste e com a África do Sul nas outras direções. É um dos menores países do continente africano, com uma população estimada em cerca de 1,1 milhão de habitantes, sendo a maioria do grupo étnico suázi. O país possui duas capitais: Mbabane, que é a capital administrativa, e Lobamba, o centro legislativo e sede da monarquia. Foi em Lobamba, inclusive, que ocorreu a Umhlanga, o famoso Reed Dance, e esse foi o principal motivo que me levou a visitar o país nessa época. Aproveitei a viagem para conhecer tanto Lobamba quanto Mbabane.

Eswatini é uma das últimas monarquias absolutas que restam no mundo, governada pelo rei Mswati III desde 1986. Embora uma constituição tenha sido adotada em 2005, o sistema político do país permanece altamente restritivo. Partidos políticos são proibidos, e os candidatos ao parlamento só podem concorrer como independentes, refletindo o controle rígido do regime. A censura é ativa, e a repressão a críticas ao rei é severa. Durante minha estadia, as pessoas explicaram que qualquer crítica ao rei pode ser extremamente perigosa. Se a pessoa for famosa, até podem prendê-la, mas se for um desconhecido, a abordagem é bem mais extrema – ela simplesmente desaparece, sem deixar rastros, porque sabem que não haverá consequências.
O país enfrenta enormes desafios na área da saúde. Eswatini tem uma das maiores taxas de prevalência do HIV/AIDS no mundo, com cerca de um terço da população adulta infectada. Isso impacta diretamente a expectativa de vida, que é uma das mais baixas do planeta, girando em torno de 58 anos. Cara, para e pensa nisso. Eu andava pelas ruas e não conseguia tirar da cabeça a ideia de que, a cada três pessoas que eu via, uma delas tinha AIDS. Essa realidade pesava no ambiente, como se a saúde pública estivesse em colapso. A situação é agravada pela pobreza, que limita o acesso a cuidados médicos de qualidade. Apesar disso, houve um pequeno progresso nos últimos anos, com a redução da taxa de mortalidade infantil graças a programas de intervenção.

A economia de Eswatini também reflete essas dificuldades. Ela é fortemente dependente da agricultura, com o milho sendo o principal cultivo de subsistência. Cerca de 70% da população rural trabalha no setor agrícola, que representa aproximadamente 20% do PIB do país. Além da agricultura de subsistência, o país tem plantações de cana-de-açúcar, cítricos e abacaxi, que são vitais para a economia. No entanto, essas grandes plantações geralmente estão nas mãos de estrangeiros e grandes empresas, o que faz com que os pequenos produtores locais e as comunidades rurais continuem em condições precárias, sem acesso a maiores benefícios econômicos.

A Umhlanga ou reed dance


Então, o que é o Reed Dance, o motivo principal de eu ter ido para Eswatini nessa época específica? Bem, é uma cerimônia realizada anualmente no país, “celebrando a pureza e a cultura das jovens virgens da nação”. Durante o evento, milhares de jovens mulheres, vestidas com trajes tradicionais coloridos, colhem juncos e os oferecem ao rei e à rainha-mãe. O festival acontece em Lobamba, que é a sede tradicional da monarquia de Eswatini. Embora atualmente eles apresentem o ritual como um símbolo de unidade nacional e respeito às tradições, e também como uma oportunidade para as jovens celebrarem sua entrada na vida adulta, originalmente o evento era uma chance para as virgens se exibirem para o rei, que poderia escolher uma delas para ser sua esposa – afinal, a poligamia é permitida por lá.

Hoje em dia, dizem que o rei não escolhe mais esposas aleatoriamente no meio da multidão, embora, em 2013, ele tenha “laçado” sua última esposa durante o festival. Mas, de fato, parece que as meninas participam de forma voluntária e o clima é de celebração. A organização é descentralizada, o que é incrível, porque no fim tudo dá certo. E como funciona? Basicamente, um grupo de meninas de um determinado povoado decide se apresentar no evento. Elas mesmas são responsáveis por confeccionar suas roupas e ensaiar a dança. Geralmente, há uma vaquinha na comunidade para custear a participação delas. Existe um estádio em Lobamba, construído exclusivamente para esse evento, e, ao chegar lá, as meninas se apresentam aos organizadores e entram numa fila do lado de fora do estádio. Enquanto isso, os espectadores ficam nas arquibancadas esperando o rei chegar. Quando ele finalmente chega, a cerimônia começa, e a organização vai convocando os grupos de meninas que desfilam um a um. O mais impressionante é o volume de pessoas. São hordas de meninas desfilando sem parar, por horas e horas. Parece que o país inteiro para para participar ou assistir ao evento.
Eu não fiquei hospedado em Lobamba, mas em Mbabane, a capital administrativa, que fica a meia hora de carro de lá. Na ida, paguei um motorista para me levar e dei uns 80 reais para ele. Durante o caminho, aproveitei para perguntar sobre o rei, e foi aí que a mágica aconteceu. O homem começou a xingar o rei durante todo o percurso. Ao chegarmos no estádio, a segurança era absurda: espelho embaixo do carro para verificar bombas, detectores de metal e nem chapéu você podia usar lá dentro. Mas, considerando que era o rei ditador que estava por ali, dá para entender o nível de paranoia.
A dona do Airbnb onde eu estava hospedado me disse que o evento começava pela manhã, então cheguei bem cedo. Só que, na verdade, o evento era à noite, e acabei passando o dia todo perambulando pela capital, tentando encontrar algo para fazer. O problema é que lá não existe táxi convencional. O que chamam de táxi é basicamente alguém com um carro particular que pega passageiros aleatoriamente. Fica difícil até saber qual carro é táxi e qual está apenas rodando pela cidade. Acabei andando muito a pé por lá e, por fim, não assisti ao evento inteiro. Saí no meio porque estava começando a esfriar muito e eu ainda tinha que voltar para Mbabane.
Quando a noite caiu rápido, fiquei pensando, “e agora, como arrumo um táxi?”. Eu não tinha telefone, então estava meio perdido. De repente, uma van parou ao meu lado e gritou “Mbabane”. Pulei dentro sem pensar duas vezes! Como todos falavam inglês, foi fácil entender o que estava rolando. No fim, acabei economizando o dinheiro do táxi, pagando só 5 reais na passagem da van, que me deixou praticamente na porta do Airbnb.
Curti muito a viagem. As pessoas foram muito gentis comigo, e me senti como uma curiosidade ambulante, já que quase não há turistas por lá.

Gostou do post? Então veja nossos vídeos no nosso canal http://www.youtube.com/@omundonumamochila

Se gostou das fotos, visite e siga nosso Instagram para sempre receber fotos e causos de viagens: www.instagram.com/omundonumamochila

Quer entrar em contato direto com o autor ou comprar um livro? Clique aqui e tenha acesso ao nosso formulário de contato!

Quer receber as atualizações direto no seu e-mail? Cadastre-se na nossa mala direta clicando na caixa “Quero Receber” na direita do blog