O último país que visitei nesse meu giro pelo sul da África foi Moçambique, uma parada que sempre esteve no meu radar.
Moçambique é um país localizado no sudeste da África. Antes da chegada dos europeus, a região era habitada por povos bantos que se estabeleceram e formaram diversas comunidades ao longo do litoral e do interior. A partir do século XV, os portugueses começaram a explorar a costa moçambicana, atraídos pelo comércio de ouro, marfim e escravos, e, ao longo dos séculos seguintes, estabeleceram postos comerciais e colônias na região, consolidando sua presença e transformando Moçambique em uma colônia.
A luta por independência de Moçambique ganhou força no século XX, especialmente com a formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em 1962. Após anos de guerra contra as forças coloniais portuguesas, Moçambique finalmente conquistou sua independência em 1975. No entanto, o país recém-independente logo enfrentou uma guerra civil devastadora entre a FRELIMO, agora no poder e orientada pelo socialismo, e a RENAMO, um grupo de oposição. Esse conflito, que durou até 1992, teve um impacto profundo na sociedade moçambicana, deixando um legado de destruição e perda, além de um país em extrema pobreza.
Moçambique hoje e seus desafios
Após o fim da guerra civil, Moçambique iniciou um longo processo de reconstrução, adotando uma economia de mercado e promovendo reformas democráticas. Desde então, o país tem passado por um período de crescimento econômico, impulsionado em parte pela descoberta de recursos naturais, como gás natural e carvão. No entanto, Moçambique ainda enfrenta desafios significativos, incluindo desigualdade social, infraestrutura limitada e vulnerabilidades ambientais. Para piorar a situação, a parte norte de Moçambique vem enfrentando uma insurreição islâmica. Este conflito está em curso na província de Cabo Delgado entre militantes wahhabitas, que pretendem estabelecer um Estado islâmico em Moçambique, e as forças de segurança moçambicanas. O conflito também inclui ataques a civis e, para piorar, grupos de bandidos armados têm também aproveitado a confusão a seu favor.
Moçambique hoje é um dos poucos países fora do eixo Brasil e Portugal onde o português não é apenas uma língua oficial, mas uma realidade viva nas ruas, no cotidiano e nas interações, o que não acontece, por exemplo, em Goa, Timor Leste e Macau. Sempre tive essa curiosidade em conhecer os lugares onde o português se mistura com outras culturas, moldando identidades e criando uma sensação de familiaridade linguística que, ao mesmo tempo, é envolta em contextos completamente diferentes. Ao lado de Angola e Cabo Verde, Moçambique me atraía justamente por ser um desses destinos onde o português é mais do que uma formalidade de Estado – é a língua que realmente conecta as pessoas.
Contudo, para viajar a Moçambique, é preciso obter um visto, e foi aí que minha saga começou. Diferente de muitos outros países onde o processo é direto, a burocracia para conseguir o visto revelou-se uma aventura à parte, repleta de idas e vindas, desafios e surpresas no caminho. E haja paciência. Desde o momento em que comecei a reunir os documentos e descobrir os detalhes das taxas até finalmente pisar em solo moçambicano, cada etapa dessa viagem trouxe seus próprios obstáculos. Mas talvez seja justamente isso que torne as experiências de viagem tão memoráveis: os imprevistos que testam nossa paciência e, no fim, nos recompensam com uma história para contar.
Saga pelo visto a Moçambique
Para viajar a Moçambique, há duas opções para obter o visto: o e-visa, que custa 150 dólares ou o visto pela Embaixada, que sai por 300 reais. Diferença considerável, não? Acabei optando pela Embaixada que era bem mais barato e preparei todos os documentos necessários – passagem de ida e volta, comprovante de hospedagem e de renda. A promessa era de que o visto ficaria pronto em até 15 dias úteis. Esse prazo trouxe alguma incerteza, mas considerei que havia tempo suficiente antes da viagem e segui as instruções.
Os dias começaram a passar. Um dia, dois, cinco, dez… Ao final dos quinze dias úteis, ainda sem notícias, entrei em contato com a Embaixada. A resposta foi vaga, mencionaram burocracias internas e me pediram mais paciência. Acompanhei o calendário avançar e os dias se transformaram em semanas. Passados dois meses, a semana da viagem chegou, mas o visto não.
Sem muitas alternativas, decidi recorrer ao e-visa, o que me forçou a refazer novamente o processo, dessa vez online, e pagando uma segunda taxa de visto. Mais 150 dólares. País maldito. Mas o pior que o aplicar pro evisa de lá não é tão simples assim. É complicado, tem alguns campos do formulário que não fazem qualquer sentido. Mas enfim, fui preenchendo com o que eu achava que estava certo e terminei. Consegui o visto? Claro que não, consegui uma autorização para aplicar pro visto quando chegasse no aeroporto. Faz algum sentido? Claro que não.
Mas vumbora, já estava com a passagem, tinha que ir. Saí do Brasil e fiz a viagem por todos os países do sul da África que tinha planejado: África do Sul, Essuatíni, Namíbia e Ilhas Maurício. Mas sim, ainda não tinha o visto para Moçambique, eu ia pagar 150 dólares no aeroporto. Nada podia piorar, certo? Claro que não! No dia da viagem, no aeroporto, a maldita companhia aérea moçambicana, Linhas Aéreas Moçambique, atrasou em quase duas horas o meu voo de ida. País maldito. Ai ai, acho que era para não ir.
Mas enfim, o voo seguiu, desci no aeroporto e eu fui lá, PUTO, entregar o meu passaporte para conseguir o visto. Pagar 150 dólares. País maldito.
Segui para o guichê e eis que a pobre da mulher da imigração me pede o que? Comprovante de hospedagem e passagem de volta
– Uai, mas eu não pus isso no site na hora que preenchi o formulário?
– Sim, mais precisa dele impresso.
Jesus amado, nada é feito para funcionar.
Me mandaram para a salinha da imigração onde os oficiais, super gentis, foram imprimir os documentos que eu tinha posto no evisa. Enfim, não é culpa deles, eles só seguem regras. País maldito.
Enfim, imprimiram para mim e lá fui eu pagar. Cento e cinquenta dólares. Beleza, e os 300 reais do visto que eu paguei anteriormente e que eu esperei mais que o dobro de prazo que eles me pediram? Devolveram? Claro que não, paguei o visto duas vezes e ficou por isso mesmo. Engole o choro e segue. País maldito.
Olha, te falo que eu só viajei porque eu já tinha a passagem paga, porque essa história de eu pagar o visto adiantado com o dobro de prazo e eles não me entregarem tirou toda a alegria que eu tava para viajar a Moçambique. País maldito.
Chegando a Maputo
Enfim, engole o choro e vamos para Maputo. Cheguei na capital de Moçambique meio puto, mas depois deixei para lá, o importante era aproveitar a viagem. Desci no aeroporto e fui seguir para o hotel. Agora era aproveitar.
Ainda que Moçambique seja um dos países mais pobres do mundo, basta lembrar que acabou de sair de uma guerra civil, ainda assim achei Maputo uma cidade muito organizada e me deixou uma impressão muito boa. No primeiro dia em que cheguei aproveitei para descansar dado que eu tava saindo de uma pauleira que foi Namíbia, Maurício e Essuatíni. Eu precisava descansar porque estou começando a ficar velho para isso.
Me surpreendendo com Maputo
Nos dias seguintes fui explorar Maputo e descobrir o que a cidade tinha a oferecer. Logo de cara, algo peculiar chamou minha atenção: várias ruas da capital homenageiam ditadores comunistas como Mao Tse Tung, Lenin e até mesmo Kim Jong Il da Coreia do Norte. Esses nomes de ruas revelam traços da história e da ideologia que influenciaram Moçambique após sua independência. Durante o período pós-colonial, o país adotou uma postura alinhada com o bloco socialista, fortalecendo laços com países comunistas e recebendo apoio para reconstrução e desenvolvimento.
Além dos nomes das ruas, à medida que caminhava por essas avenidas, percebia a convivência entre edifícios antigos, remanescentes da era colonial e socialista, e construções modernas, sinalizando o avanço econômico e as mudanças que Moçambique tem experimentado nas últimas décadas.
Outra coisa interessante da cidade foi visitar a Casa de Ferro de Maputo. Sim, casa de ferro. Em Maputo! Ela foi projetada por Gustave Eiffel, o mesmo arquiteto da famosa Torre Eiffel em Paris. Sim, o homem pensou, se eu posso fazer um torre de ferro no meio de Paris, porque não fazer uma dessa no meio de Maputo? O governo colonial português achou uma boa ideia de construir um edifício funcional e duradouro para abrigar a residência do governador de Moçambique. Porém, veio o porém.
A estrutura de ferro, embora resistente, é totalmente inadequada para lidar com as temperaturas extremas da cidade. Imagina fazer uma casa de ferro. No meio de Mossoró. Pois é, mas fizeram, só que em Maputo. No calor, a casa se transforma praticamente em uma fornalha, impossibilitando a permanência lá dentro. Caminhar pelos cômodos e sentir as variações de temperatura só reforça o quão irônico é ver uma construção tão imponente e sofisticada em sua concepção, mas tão inapta para o clima em que foi instalada. Essa inadequação tornou a Casa de Ferro quase uma piada histórica, uma prova de que nem sempre a sofisticação arquitetônica é acompanhada de praticidade.
Hoje, a casa serve apenas como atração turística e sede do Instituto Nacional do Patrimônio Cultural de Moçambique, mas sua função original como residência oficial foi abandonada há tempos. Ou seja, no final, um dos objetivos foi alcançado. A construção realmente durou séculos, ainda que a outra, servir para alguma coisa, não aconteceu.
Mas a que mais me chamou a atenção mesmo foi o tanto de pedintes que tem pelas ruas de Maputo. São muitos mesmo. Já viajei por várias cidades grandes da África subsaariana, Dacar, Banjul, Joanesburgo, Mbabane, mas nenhuma delas se comparou a Maputo em questão de pedintes. Pior que eles são insistentes, você fala não e ainda assim eles vão te seguindo, seguindo, seguindo, insistindo, insistindo, insistindo. Pior que eu não queria ser ríspido com eles porque, assim, você fica triste pela situação, então você tenta negar com educação, mas como as negativas que eles recebem na rua geralmente são ríspidas, aparentemente, quando eu tentava ser educado eles interpretavam como uma brecha e aí insistiam ainda mais. Enfim, não tou reclamando disso, até porque a São Luís que eu cresci era parecida com isso, mas que isso chamou a minha atenção, isso chamou. Até para bater foto na rua era complicado, porque às vezes era eu tirar a câmera da bolsa que aparecia alguns insistindo para eu comprar algo ou pedindo dinheiro. Mas, assim, apesar de insistentes eles não vão fazer nada com você, só pedir e pedir.

E, sim, muita gente na rua vendendo todo tipo de coisas. Mas muita gente mesmo. Cada um fazendo seus corres. Mais uma vez, apesar de Maputo ser uma cidade com uma infraestrutura muito boa, parecida com qualquer capital do Nordeste do Brasil, ainda assim Moçambique é um dos países mais pobres do mundo. Mas, assim, apesar dos pedintes e da galera em situação de rua, a sensação de segurança é de boa. Todo mundo que eu perguntava na rua só me respondia o “aqui é tranquilo, só fica de olho para ninguém por a mão no seu bolso”, o tipo de coisa que você escuta em qualquer cidade europeia. Teve até uma vez que eu perguntei para um vigia “sim, eu sei que a gente tem que prestar atenção para ninguém pôr a mão no nosso bolso, mas aqui rola de passar dois caras de capacete em uma moto e você achar que hoje chegou seu último dia?”. Ele ficou me olhando sem entender e deu risada. Furtos até podem ocorrer, mas assaltos com arma de fogo parecem ser inexistentes.
Teve uma vez que foi até engraçado, eu estava andando a rua, vi que não tinha ninguém perto, tirei a câmera e comecei a filmar. Cara, do nada, do mais profundo nada apareceu um policial e começou a andar na minha direção. Bem, polícia, seja na Suíça ou no Afeganistão, sempre é problema. Lembrei de um amigo meu que tomou um enquadro federal da polícia em Moçambique, até fizeram ele deitar no chão, e na hora eu já desesperei. Guardei a câmera assustado. O policial na hora começou a rir, falou que não precisava se preocupar, que ele na verdade só tava curioso com aquela cena, um gringo no meio da rua com um pau de selfie na mão falando sozinho e foi perguntar se eu precisava de algo. Me falou que ele fazia isso porque a função dele era “servir e proteger”. Cara, pior que foi muito da hora. Ele parou ali do meu lado e ficamos conversando bem uma meia hora. O cara foi realmente MUITO simpático. Perguntou do Brasil, perguntou para onde eu tinha ido em Moçambique, me deu dicas de viagem, enfim, a gente ficou batendo papo ali, no meio da rua. Me lembrou a delegada de polícia da Argélia que eu achava que ia me prender e do nada começou a me dar dicas de viagem também.
Moçambique é isso. Galera muito gente boa, acolhedora, nem que seja um policial na rua te abordando para poder perguntar se você precisa de ajuda para viajar. País bendito, com uma população bendita com uma burocracia de visto maldita.































“Ana Maria Braga” de Moçambique
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