Mudança de planos
Rapaz, esse Ucraniano tem dias que me deixa com medo, brother! Cara, esse bicho cada dia que passa deixa transparecer um ar de fresco que vai me deixando cada vez mais preocupado. Primeiro que ele já tem aquele jeitinho de “menino rebelde vestido pela mamãe”, já que, apesar de andar com algumas roupas “descoladas”, todas são de marcas e tudo sempre combinando com tudo (cinto com sapato, camisa com bermuda etc.).
Agora, o que mais me faz estranhar a figura é que o bicho passa o dia inteiro se embelezando e se enchendo de creme. Mas é creme pra hidratar a pele daqui, creme pro cabelo, creme pra cá e creme pra lá. Só vocês vendo! Não sei vocês o que acham disso, mas cara, eu vim de um lugar que o cara pra ser MACHO só pode usar um tipo de creme, que é o creme dental e olhe lá (já que até protetor solar tem o seu “quê”de viado)! Pode me chamar de machista ou o que for, mas essa parada de ficar “se cremozando” todo pra mim é coisa de fruta.
Pois então, estávamos discutindo essa parada desses cremes dele quando ocorreu o seguinte diálogo:
– Porra Jay! Pára de ficar passando esses cremes o dia inteiro, brother!
– Ah Claudio, me deixa, cumpade! Eu curto “cuidar de mim mesmo”.
“Cuidar de mim mesmo”, pra quem não sabe, é a senha que todo viado ou metrossexual (que pra mim é a mesma coisa) usa pra poder justificar os gastos de 40% do seu PIB em produtos de beleza. A situação começava a ter um alto valor de periculosidade. Fiz a seguinte pergunta já com medo da resposta:
– Cuidar de mim mesmo? Porra Jay, tu virou metrossexual agora?
– Como assim agora? Eu sempre fui metrossexual, cara! Qual o problema? As minas curtem sabia? As minas curtem os caras que cuidam de si mesmo, que tratam de sua pele e dos seus cabelos!
AAAAhhhhhhh!!! Medo!! MUITO MEDO!!
Pra quem não sabe direito o que é ser “metrossexual”, vai o link da Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Metrossexual que tem uma explicação muito boa sobre o que é ser metrossexual. Leia antes de continuar lendo no blog.
A definição da Wikipédia é boa, mas eu prefiro uma definição de metrossexual que eu li certa vez pela internet. Segundo tal definição, “metrossexual” é o cara que se veste como viado, age como viado, fala como viado, tem aparência de viado, mas diz que não é viado. Dizem eles que, no século XXI, o homem está mudando a maneira de se ver e está deixando de lado alguns preconceitos pra poder cuidar mais de si mesmo. Pois brother, essa conversinha barata comigo não cola! Imagina a ceninha na mesa de jantar:
– Pai, o senhor tem que o novo creme pra pele qu
e eu comprei, ele é SUPER!!
– Uau, meu filho!! Que legal! Falando nisso que horas vamos ao salão de beleza pra fazer nossas unhas?
AAAAAAAAAAHHH. Não dá, cara! Comigo, são duas gerações que nunca vão colocar qualquer creme, a minha e a do meu filho, porque se meu filho vier com essa história de colocar cremizinho na pele, vai levar muita porrada!
Então, falei disso tudo só pra poder postar uma foto do armariozinho do Ucraniano pra vocês verem como é “meiga” a parada.
Não armei não! É assim que ele deixa arrumado mesmo! Com o cachorrinho olhando pra gente e tudo! Ele gosta desse cartão porque foi dado pela namorada dele, a Sachi, uma outra japonesa que mora por aqui. Eles tão namorando há algum tempo já. Inclusive outro dia ele tava até reclamando que ela nunca ligava pra ele:
– Mas Jay, você mora JUNTO com ela!
– Sim, mas trabalho sozinho por mais de 8 horas todos os dias. Às vezes me sinto sozinho! Custava ela ligar?
O cara já tá desse jeito… Heheeheheeh
Apesar desse leriado todo, não queria que as pessoas achassem que eu estou difamando o cara. Ele é o meu melhor amigo aqui em Santa Bárbara, realmente parece ser heterossexual e com certeza já pegou bem mais mulheres que eu nessa vida. Mas zoar com alguém nunca é demais… hehehehe
Ao ver que eu batia fotos do armarinho dele, ele perguntou o que eu tava fazendo. Falei que tava batendo algumas fotos dos cremes de beleza dele pra depois postar no blog. Se ele ficou puto? Que nada! Ele ficou foi todo feliz e foi lá abrindo a gaveta dele dizendo que lá tinham mais cremes!
Quando perguntei se tinha problema eu colocar as
fotos no blog (eu nem ia colocar, era só pra depois tirar onda com ele mesmo), ele falou:
– Claro que sim, Claudio!
– Ué, Jay, mas você faz questão que eu coloque?!?!
– Claro que sim, cara! Assim quando eu for ao Brasil, as suas amigas vão ver que “eu me cuido bem” e eu vou pegar geral!
Não vou estranhar o dia em que entrar no quarto e ver o bicho com a cara toda branca, cheia de creme e duas rodelas de pepino em cima dos olhos.
Cara, o trabalho de Dishwasher (lavador de pratos) tá sendo bem legal. Não está sendo tão pesado quanto me falaram que ia ser (às vezes eu acho que tem gente muito frouxa mesmo, eu nunca “pedi água” trabalhando de Dishwasher), mas também não tem a gloriosa, majestosa, esplendorosa Dishwasher Machine que tanta companhia me deu quando eu estava trabalhando na Austrália. Enquanto na Austrália eu era um “Dishwasher de Luxo” como eu mesmo gostava de dizer, aqui nos EUA a parada é mais dura, já que tenho que lavar os pratos com as mãos. No final até que não acaba sendo tão difícil, já que trabalho numa doceria, logo não tenho pratos e talheres pra lavar nem grandes panelas. Geralmente lavo ferramentas de cozinha normais, que basta apenas jogar água quente para poder lavar de boa. A parte ruim do trabalho mesmo é, como já disse, a limpeza das mesas e do piso quando termino o meu expediente, mas já tou acostumando.
O que me deixou um pouco chateado trabalhando naquele lugar é que tudo é muito tranqüilo e quase nada de errado ou não-usual ocorre lá dentro. Isso é bom porque o trabalho fica mais fácil, mas é ruim porque eu fico sem história pra contar, e uma viagem sem histórias acaba ficando sem a menor graça.
Mas o fator que mais me chateou desde quando comecei a trabalhar lá foi, paradoxalmente, que naquele lugar só tem mulher. Antes que você comece a achar que estou jogando no outro time, gostaria de explicar. Beleza, é super legal ter várias mulheres perto de você e convivendo quase que diariamente. Até aí não há problema! O problema começa quando SÓ tem mulher e não tem nenhum brother pra você ficar confabulando quando está dentro da cozinha, principalmente alguém com quem você consiga se comunicar, já que o outro Dishwasher é meio bobão e não fala inglês direito. Como é que faz? Como faz pra conversar sobre futebol? Sobre como vai ser a balada? Mermão, vocês pensam que é brincadeira, mas a parada é complicada mesmo!!
Cara, eu ia postar algo relacionado ao American Way of Life alguns blogs atrás, mas preferi analisar mais algum tempo e conversar com mais pessoas, para não fazer uma análise baseada em apenas um indivíduo…
Assim que cheguei aqui nos EUA, o Orlando, aquele gerente do hotel, tinha me falado do furor da sociedade americana pelo consumo e como isso parece escravizar as pessoas na espiral do “preciso trabalhar mais para poder comprar mais” ou “ainda não tenho tudo que sempre sonhei, preciso comprar mais coisas”.
Os dois exemplos mais emblemáticos que tive contato até agora foram: O novo cara que chegou pra trabalhar no hotel, o Alberto e a minha gerente gente boa e super simpática, a Sarah.
Certa vez, pela janela ônibus que me levava pra casa depois de mais uma noite de trabalho, pude ver a Sarah trabalhando na cozinha da doceria. Tudo normal, se não fosse plena 7:30 da manhã! Cheguei em casa, escovei meus dentes, fui dormir, voltei pro trabalho 3:30 DA TARDE e a mulher ainda tava lá trabalhando! Cara, fiquei realmente impressionado com isso, pois, apesar do trabalho dela de fazer doces não ser tão pesado como o meu de lavar pratos e o chão, ela fica o dia inteiro trabalhando em pé, já que em momento algum elas fazem algum trabalho sentadas. Fui conversar com ela e descobri que pelo menos cinco vezes por semana ela chega todos os dias no trabalho às seis horas da manhã e sai no final da tarde, algumas vezes chegando a trabalhar DOZE horas por dia.
Isso começou a matutar na minha cabeça. Se eu, que ando trabalhando por volta de 65 horas por semana, consigo ter superávits SEMANAIS de quase 350 dólares (juntando tudo o que eu ganho e tirando minhas despesas, consigo juntar 350 dólares por semana), de quanto será o superávit semanal de uma gerente de doceria como ela, trabalhando 60 horas por semana? Tudo bem que ela deve ter um nível de vida absurdamente melhor que o meu, já que mora com o marido e talz, mas mesmo assim, será se ela consegue gastar tudo que ganha? Será possível?
Fui perguntar isso pra ela e, pasmem, ela me falou que não consegue juntar quase nada por semana, já que tem muitas contas pra pagar e por isso decidiu procurar um outro emprego. Ela trabalha também numa loja como atendente, segundo ela, não tem problema, já que o trabalho é bem mais sossegado e ela só tem que ficar atendendo pessoas (no final a gente é bem parecido, hehehee, trabalho duro durante o dia e moleza durante a noite). No total ela me falou que trabalha por volta de 75 horas por semana. Pô brother, seja o serviço que for, 75 horas por semana é MUITA coisa. Digamos que ela pegue um dia de folga por semana, isso dá mais que 12 horas por dia de trabalho! Vai encarar?
Ao notar meu espanto, ela justificou que não via problema nisso, já que não tem filhos, o marido também não tem muito tempo livre (já que trabalha e estuda) e ela é jovem! Basicamente isso!
Porra, eu fico pensando que eu, por estar aqui só de agito, sem amigos e namorada, não tenho tempo pra mais nada a não ser pra trabalhar, fico imaginando se ela não está na mesma maneira.
O outro caso que me deixou mais impressionado ainda, estava relacionado ao Alberto, um cara que chegou agora pra trabalhar no hotel. Seus pais são provenientes da Guatemala e ele nasceu aqui, logo tem nacionalidade americana. Ele começou a trabalhar no hotel porque conhece o dono do hotel de longas datas, já que o dono é cliente do banco que ele trabalha.
O Alberto trabalha num banco daqui de Santa Bárbara, ganha 22 dólares por hora e trabalha quarenta horas por semana (faça as contas). Além deste trabalho e das exíguas quatro horas que trabalha no hotel o nosso amigo ainda trabalha como OPERADOR DE TELEMARKETING! Brother, eu sempre achei que trabalhar com telemarketing fosse o fim que uma pessoa pudesse chegar. Tipo, o cara é corintiano, a mãe trabalha na zona, a filha faz sexo com porcos, o filho usa drogas e o cara ainda é do Piauí! Beleza, um cidadão como esse vai trabalhar com Telemarketing, algo que um maranhense sangue-bom e que faz sucesso com a mulherada nunca faria. Porra, se já é chato atender ligação de Telemarketing, imagina como deve ser chato ficar o dia inteiro fazendo ligações com pessoas sendo extremamente grossas com você e com metas absurdas a bater?
Mas é, fez as contas? O nosso amigo com certeza deve trabalhar mais que 70 horas por semana. Mais ou menos como a gerente, ou seja, no limite da capacidade humana. Porque ele trabalha tanto? Sim, a mesma resposta, “tem muitas contas a pagar”!
Assim como o Orlando tinha me falado, eu fico impressionado como o americano médio realmente parece ter essa sanha louca por consumo! Eu também já tinha lido um livro muito interessante, “Pai Rico Pai Pobre” (Robert Kiyosaki) onde o autor tem uma tese interessante: Não adianta o quanto essas pessoas sejam promovidas ou ganhem salários maiores, elas sempre vão estar cada vez mais atoladas em dívidas e mais problemas. Enquanto não for possível mudar o pensamento do “eu preciso ter uma casa melhor” ou “eu preciso de um carro melhor”, as pessoas sempre estarão no que ele chama de “corrida dos ratos”, cada vez mais endividadas, cada vez trabalhando mais e cada vez mais botando a culpa no governo ou na corrupção pelos seus erros pessoais.
Os dois casos que citei são bem ilustrativos. Um dia cheguei ao trabalho e vi um calhamaço de correspondências em cima do balcão. Fui lá e perguntei pro Alberto se aquilo era do hotel. Qual não foi minha surpresa quando ele falou que tudo pertencia a ele. No meio daquelas correspondências, havia contas de home theater, prestação do carro, contas de lojas de roupas etc.
Essa é a armadilha do American Way of Life, a facilidade com que você pode trabalhar. A facilidade do “olha, 10 dólares por hora é uma boa grana! Não faz mal trabalhar mais 20 horas por semana, eu sou jovem, não tenho filhos…” e, principalmente, a facilidade com que você pode comprar. A facilidade do “faça um cartão na nossa loja, não precisa comprovante de renda, você pode pagar em quantas vezes quiser”. Quando você menos se espanta já possui vinte calças jeans, 50 pares de tênis e, claro, sempre muitas contas a pagar. Depois que você se encontra endividado até o pescoço “porque não procurar um outro emprego” e por aí vai, cada vez mais afundado na sua espiral sem saber como sair. Trabalhando e consumindo como uns loucos enquanto a sua vida vai passando…
Quem tiver um tempinho, tem um documentário feito pela BBC que fala sobre isso no EUA, sobre o consumo desenfreado, a subida dos neoconservadores e dos fundamentalistas islâmicos ao poder. Eu comecei a ver agora e ele parece ser bem interessante.
O PODER DO PESADELO – Doc da BBC – Legenda em Portugues:
PARTE 1 http://video.google.com/videoplay?docid=5984887661763949903&hl=en
PARTE 2 http://video.google.com/videoplay?docid=-3944892390419580084
PARTE 3 http://video.google.com/videoplay?docid=7601165999682228862
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